Quando o eu se perde ...

Atingir esse ritmo em que o eu se perde,
a respiração - o bater do coração - e a música suave
da sua relação, fazem a nossa dança e impelem-nos
para o momento em que todas as coisas se tornam
mágicas, outra possibilidade.
Esse momento cego, meia-noite, em que toda a visão
tem início e a própria dança é a nossa respiração,
e nós próprios o momento da vida e da morte.
Cegos; mas tendo recebido agora outra salvação,
o eu como visão, a todo o momento compreendendo,
todas as artes todos os sentidos são linguagens,
libertos da vontade, transformados em verdade -
para a salvação da vida submetendo o momento e as imagens,
escrevendo o poema; fazendo o amor; dando à luz.


Muriel Rukeyser, "To enter that rhythm where the self is lost," in Linda Ferrer (ed), Eros, (Köln, Taschen, 1998), p. 178

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Amores tardios

Nunca pensou voltar a amar assim com paixão e despojamento sem carecer de reciprocidade. Julgara já não ter a idade nem o perfil certos para experimentar determinado tipo de emoções e sentimentos. Surpreendeu-se, excedera as expectativas acerca de si. Talvez, a decadência provoque um retorno psicológico ao final da adolescência, deduziu. Quanto tempo perdurará tal fixação, que afinal reunia as imagens de duas paixões do passado, interrogou-se.
Amar com profundidade alguém distante de todos os seus anteriores ideais estéticos, venerar aquele corpo tornado sagrado e de uma beleza ímpar. Desejar-lhe todo o bem, toda a felicidade e prazer, mesmo que o bem, a felicidade e o prazer do objecto de adoração sejam o afastamento ou o amor e o desejo de outras pessoas. Uma forma muito confortável de gostar de alguém, porque não causava sofrimento, de uma tranquilidade búdica, sem desejo de posse. A sua pura existência bastava-lhe. Bizarrias provocadas pela leitura de muitos romances, a vida tem muito de literatura, concluiu.

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