Março=> Poesia

Na luminosa décima quinta manhã de Março:

Claridade

Um desapego íntimo de tudo
Me sobrepõe ao mundo e ao dia.
Claridade!
No mistério da luz, o olhar mudo
Lentamente se estende e apascenta
De pura nostalgia.
Fico imóvel, sem nada ver,
Sentindo o nada e o ser,
Até que a flor do tempo
Efémera desperta
E ondula dentro em mim.


João Maia, "Abriu-se a Noite,"1954, in Jorge de Sena, (ed), Líricas Portuguesas, (Lisboa, Edições 70, 1983), vol. II, P.96.

E a segunda transcrição do belo texto de Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, do capítulo "Adorável":

"Cruzo-me, ao longo da minha vida, com milhares de corpos; desses milhares posso desejar umas centenas; mas, dessas centenas, não amo senão um. O outro por quem estou apaixonado mostra-me a especialidade do meu desejo.

Tal escolha, tão rigorosa que apenas contempla o Único, estabelece - diz-se - a diferença entre a transferência analítica e a transferência de amor; uma é universal, a outra é específica. Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes ( e talvez muitas tentativas), para que eu encontrasse a imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Aí está um grande enigma cuja solução jamais conhecerei: por que razão desejo eu aquele Tal? (...)" (Lisboa, Edições, 70, 1987), p.27

Comentários

Mensagens populares