História da Filosofia Moderna

A Gnosiologia de Hobbes (Westport ,1588- Hardwick, 1679)
e as Objecções a Descartes



A iniciação filosófica de Hobbes deu-se em Magdalen Hall, um reputado colégio de Oxford onde adquiriu conhecimentos de grego e latim e contactou com os dialécticos da Escola.
O regime escolástico vigente em Oxford, posteriormente criticado por Hobbes forneceu-lhe, nestes anos de estudos clássicos, a base da sua formação intelectual, bem assim como as estruturas e orientação metodológica para a constituição da sua lógica, teoria do conhecimento e filosofia política originais.

Bacharel em artes em 1608, o ensino surgiu-lhe como a única alternativa profissional. Exerceu as funções de perceptor em casa da família Cavendish. O seu trabalho como perceptor permitiu-lhe deslocar-se ao continente. Tais digressões possibilitaram-lhe o relacionamento com cientistas e filósofos contemporâneos e, por conseguinte, o conhecimento actualizado das novas descobertas e teorias científicas e filosóficas.
Hobbes foi secretário de Francis Bacon,. E através dele leu os antigos mecanicistas. Todavia, o empirismo baconiano não o convenceu, na altura.
Só aos quarenta anos é que o autor de Leviathan descobriu a geometria euclidiana como uma ciência rigorosa e se entusiasmou com a criação de uma lógica científica e de uma filosofia da natureza. A geometria representaria a própria textura, a estrutura da natureza. A descoberta de Euclides incentivou em Hobbes o interesse pelos ensaios mecanicistas de Bacon. Procurou ajustar mecanicismo e geometria com o objectivo de construir uma perspectiva materialista e mecanicista.
Esta concepção, numa síntese muito geral, significa que tudo deveria ser compreendido em termos de diferença cinética, de diversidade de movimentos, todas as particularidades sensíveis teriam por causa, eficiente e formal, a diversidade dos movimentos, a própria sensação seria produzida por variação cinética. Nada nem sequer o homem, escaparia à homogeneidade deste mecanismo universal e à clareza racional da sua representação geométrica.

No intuito de aprofundar os seus conhecimentos empreendeu várias viagens à Itália, Alemanha e França. Perto de Florença, encontrou-se com Galileu, em seu entender, "aquele que nos apontou a via de acesso à física geral ou seja a natureza do movimento. Adoptando, assim uma posição oposta à de Descartes quanto à física galilaica.
Aquando das estadias em Paris, frequentava as reuniões de Mersenne, amigo comum de Hobbes e Descartes, com quem trocava corresepondência. As objecçes de Hobbes às Meditações de Descartes resultaram de um pedido de Mersenne. Objecções que não agradaram a Descartes. Cada um destes pensadores teve uma vivência filosófica peculiar, adoptaram, concomitantemente um modo sui generis de interpretar a realidade, sugeriram vias diferentes para a decifrar o real remetendo para uma fundamentação, na generalidade divergente.
A experiência original original situava-se em pólos opostos o que conduziu à formulação de posições epistemológicas contrastantes, embora ambos abordassem o mesmo tipo de questões, as respostas revelam um forte antagonismo.
Hobbes apostava na percepção sensível como única fonte de conhecimento. O conhecimento, em seu entender, só seria possível mediante a sensação - a qual consistiria no movimento dos corpúsculos, impulsionados por outros corpúsculos externos. Hobbes realçou a dimensção mecanicista e materialista das qualidades sensíveis. A subjectividade dependeria das substâncias corpóreas, e apenas delas, consistindo a sensação e a imagem remanescente puros acidentes ou qualidades de certos movimentos. Apesar da sua teoria empirista Hobbes reconheceu a fragilidade dos dados dos sentidos, uma vez que admitiu que a imagem que o sujeito tem do objecto, seria uma mera aparência do movimento, da agitação ou da mudança que o objecto produz no nosso cérebro. Todas as qualidades ou acidentes que os nossos sentidos nos mostram como existentes no mundo, não estarariam nele realmente, devendo ser considerados como aparências, não haveria mais nada no mundo fora de nós, do que movimentos através dos quais essas aparências seriam produzidas, residindo aqui a causa dos erros dos sentidos, os quais deverão ser corrigidos por esses mesmos sentidos. Assim sendo, para além da simples receptividade aos dados da sensação, o homem poderia decompor uma série de imagens independentemente, do preciso momento em que percepcionaria. Esta capacidade seria possibilitada pela imaginação, ou seja as imagens que o sujeito reteria em si, permaneceriam sem o contacto directo com os objectos. Esta questãoo remete para a memória, faculdade definida por Hobbes, como a totalidade da experiência sem a qual nenhuma experiência particular seria possível. Para perceber o tempo, por exemplo é preciso recorrer à memória.
O homem extrairia das imagens , elementos que comporia e relacionaria estabelecendo um todo organizado. Perceber seria construir e não permanecer puramente passivo, permeável aos dados da percepção sensível. Seria a razão, realidade subtil, mas corpórea, que funcionando funcionando como organizadora simbólica e actuando como coordenadora das imagens que permitiria a análise e consequentemente a ciência bem assim como a construção lógica e intelectual. Todavia, ela não poderá conceber sem as imagens fornecidas pelos sentidos. Hobbes superou o puro sensualismo, tentou a conciliação paradoxal entre o sensualismo e o racionalismo, ao afirmar que se por um lado a origem do conhecimento residiria nos sentidos, por outro, preconizou o ideal de uma ciência dedutiva cujas verdades necessárias se opõem à probabilidade confusa das repetições empíricas. Os fenómenos seriam a base de todo o conhecimento, contudo a experiência revela-se insuficiente, pois não ofereceria qualquer conclusão universal, sublinhou Hobbes, muito aristotelicamente.
Conhecer é considerada a actividade própria do Espírito. O "Conhecer" é elevado a princípio de toda a realidade, a condição de toda a possibilidade de experiência. Conceber o conhecimento como princípio de toda a realidade remete-nos para Descartes. A frase conhecer é a actividade própria do Espírito reporta-nos para posição cartesiana.
No entanto, impõe-se uma primeira diferenciação, para Hobbes o Espírito é identificado com uma realidade material, corpórea, subtil, mas corpórea. Em Descartes o Espírito é definido copmo sendo a totalidade da alma pensante, uma substância imaterial. Superando esta diferença, profunda, entre os dois filósofos, derivada do materialismo do inglês e do idealismo e angelismo cartesianos, descortina-se um ponto comum: O conhecer realidade central, a importância primordial da subjectividade enquanto geradora da própria realidade. O conhecer e o cogito convergem, apontando para uma perspectiva eivada de antropocentrismo típica do pensamento moderno marcado pela figura trágica de Fausto.
Poderá objectar-se, o cogito é uma intuição, o conhecer é formulado como o corolário lógico, seria uma constatação necessária.

(Continua)



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