Poesia brasileira
(Enviada por um amigo via e-mail)
INVENÇÃO DE ORFEU XXIX
Não há atividade mais fiel
Que a de pintar em cores a ilha.
Como os efeitos não persistem
Devo chorar muito depressa.
A espátula corre sobre a tela,
Nascem raízes sobre a terra,
Os corpos ficam cor-de-barro,
Vou enterrá-los sem pincel.
Composição desordenada
Fica ao crepúsculo colossal;
E tudo agora se encorpora
Ao horizonte vegetal.
Há todavia luz nas cores
Para que as veja saturadas
Nesse crepúsculo verde-negro.
Musgos nascendo de repente,
Eras passando nesse espaço.
A proporção é desmedida,
Enche as distâncias desoladas
Cobre as estrelas nunca fixas,
Muda a paisagem cada tarde,
A luz informa fósseis vivos,
Vulcões mastigam rochas neutras
Pondo lacunas nas criaturas.
Meu crescimento é sem limites,
Há conseqüências tenebrosas
Mas já não bastam nostalgias
Pois sobem asas assombradas,
Predecessores exilados
Jazem de borco em marés baixas.
Essa maneira é mais contínua,
Mais luxuriante e mais devassa;
Novos rigores instalados,
Climas diversos sublevados,
Outros tetardos massacrados,
Vários "cromagnons" enforcados,
Particularmente danados.
Ó dura legenda incendiada,
Ó palimpsestos humanados!
Esse o imensíssimo poema
Onde os outros se entrelaçaram,
Datas, números, leis dantescas,
Início, início, início, início,
Poema unânime abrange os seres
E quantas pátrias. Quantas vezes.
Poema-Queda jamais finado
Eu seu herói matei um Deus
Genitum non factum Memento.
Não sou a Luz mas fui mandado
Para testemunhar a Luz
Que flui deste poema alheio. Amen.
COUTINHO, Afrânio (org.). Jorge de Lima. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1958, vol. I. p.654-655.
(Enviada por um amigo via e-mail)
INVENÇÃO DE ORFEU XXIX
Não há atividade mais fiel
Que a de pintar em cores a ilha.
Como os efeitos não persistem
Devo chorar muito depressa.
A espátula corre sobre a tela,
Nascem raízes sobre a terra,
Os corpos ficam cor-de-barro,
Vou enterrá-los sem pincel.
Composição desordenada
Fica ao crepúsculo colossal;
E tudo agora se encorpora
Ao horizonte vegetal.
Há todavia luz nas cores
Para que as veja saturadas
Nesse crepúsculo verde-negro.
Musgos nascendo de repente,
Eras passando nesse espaço.
A proporção é desmedida,
Enche as distâncias desoladas
Cobre as estrelas nunca fixas,
Muda a paisagem cada tarde,
A luz informa fósseis vivos,
Vulcões mastigam rochas neutras
Pondo lacunas nas criaturas.
Meu crescimento é sem limites,
Há conseqüências tenebrosas
Mas já não bastam nostalgias
Pois sobem asas assombradas,
Predecessores exilados
Jazem de borco em marés baixas.
Essa maneira é mais contínua,
Mais luxuriante e mais devassa;
Novos rigores instalados,
Climas diversos sublevados,
Outros tetardos massacrados,
Vários "cromagnons" enforcados,
Particularmente danados.
Ó dura legenda incendiada,
Ó palimpsestos humanados!
Esse o imensíssimo poema
Onde os outros se entrelaçaram,
Datas, números, leis dantescas,
Início, início, início, início,
Poema unânime abrange os seres
E quantas pátrias. Quantas vezes.
Poema-Queda jamais finado
Eu seu herói matei um Deus
Genitum non factum Memento.
Não sou a Luz mas fui mandado
Para testemunhar a Luz
Que flui deste poema alheio. Amen.
COUTINHO, Afrânio (org.). Jorge de Lima. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1958, vol. I. p.654-655.
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