Oníricas (30) A água e os sonhos.


Arthur Hughes, Ophelia, (c. 1851-53).

A obra de Bachelard, L'Eau et les rêves. Essai sur l'imagination de la matière(*), segue uma progressão rumo a um maior aprofundamento da simbólica da água. O epistemólogo francês começa por analisar as imagens que "materializam mal", as águas claras e brilhantes, que constituem a génese das imagens furtivas e fugidias, para abordar, seguidamente, o tema das águas calmas, lentas e mansas. Bachelard associa o fluir da água à passagem do tempo: "au loin, l'eau passe comme les jours"."Elle este une substance pleine de réminiscenses et de rêveries divinatrices". É a mestra da linguagem fluida, da linguagem sem choques, contínua, da linguagem que abranda o ritmo, que transforma em matéria uniforme os ritmos diferentes. Neste sentido, Paul Claudel afirmava que tudo o que o coração deseja se pode reduzir à imagética da água. As águas calmas e lentas simbolizam o desejo da morte: «pour certaines âmes, l'eau tient vraiment la mort dans sa substance. Elle comunique une rêverie où l'horreur est lente et tranquile."As águas mansas funcionam como um apelo à morte (...)a morte é uma viagem e a viagem é uma morte. "Partir é morrer um pouco". Morrer é verdadeiramente partir, e só se parte bem, corajosamente, nitidamente, quando se segue o fluir da água, a corrente do largo rio. Todos os rios desembocam no Rio dos Mortos. Apenas essa morte é fabulosa. Apenas essa partida é uma aventura."
Bachelard ilustra as suas teses com citações da obra de Poe, onde se encontra o tema obsessivo, da água estagnada, da água morta, aquela que conduz ao rio dos mortos - complexo de Caronte: "Tudo quanto a morte tem de pesado, de lento, é igualmente marcado pela figura de Caronte. As barcas carregadas de almas estão sempre a ponto de soçobrar [...] A morte é uma viagem que nunca acaba, é uma perspectiva infinita de perigos. Se o peso que sobrecarrega a barca é tão grande, é porque as almas são culpadas. A barca de Caronte vai sempre aos infernos. Não existe barqueiro da ventura." - o afogado que flutua (complexo de Ofélia).
No capítulo, "as águas compostas" Bachelard aborda o que ele designa pelo equilíbrio, a harmonia dos licores da água que queima, da água nocturna, da terra inibida pela água.
Remontando aos arquétipos inconscientes, Bachelard caracteriza a água como o líquido que tem uma função nutriente, sublinhando a sua dimensão maternal, feminina. O mar é considerado o símbolo da dinâmica da vida. Tudo tem a sua génese no mar e a ele retorna. É a encarnação da Grande Mãe, de que fala Gilbert Durand.

A água é também lustral, instrumento de purificação; o autor menciona a existência de uma moral da água". Dois capítulos são consagrados à "supremacia da água doce" e à"água violenta",antecedem o capítulo que evoca a "água murmurante", a "água que fala".

(*)Gaston Bachelard, L'Eau et les rêves. Essai sur l'imagination de la matière,(Paris, José Corti, 1942), pp.66, 122, 125, 250.

Comentários

Niuza Eugênia disse…
Bachelard foi um poeta muito mais que um filósofo!Quando discute os obstáculos epistemológicos, ou o excesso de imagens metafóricas no discurso científico, deveria talvez estar incomodado com a possibilidade de a metáfora, que tanto embeleza o texto poético, ser utilizada mais objetivamente e quem sabe cair na singularidade?? É uma pergunta que incomoda depois de ler a sinopse de "L'eau et les rêves" que apresenta um paradoxo, no meu modo de ver, da obra "L'Esprit scientifique",onde Bachelard critica o abuso das imagens metafóricas.Agora só preciso ler mais Bachelard para compreendê-lo, un Bachelard par lui-même ... mas eu gostei, sobretudo
Niuza Eugênia disse…
Estou criando meu Blog a passos lentos, ele vai chegar lá, onde pretendo.Um blog para ensino da Língua Francesa bem como para o estímulo à pesquisa em Educação tecnológica, meu mestrado, A&M - analogias e metáforas na Ciência, na educação e tecnologia GEMATEC, meu grupo de estudos no CEFETMG e ainda para viajar até à Mitologia, o ponto de partida de tudo isso ...

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