Oníricas (11) - O Sonho segundo Ferré


Sonho e Música

O sonho é a Música sobre a página branca ... ou que branca parece. Porque no fundo a página é sempre negra, desse negrume dos cisnes, à noite, quando a gente de repente se lembra que não está neste mundo. As pautas nesta folha de papel, estão cheias de sinfonias "simpáticas" ... A Música maior nunca ninguém a lerá, nunca ninguém a ouvirá. Geme, algures, numa floresta mal apreendida.

Léo Ferré, in José A. Ribeiro (ed.)Léo Ferré, (Lisboa, Ulmeiro, 1984), pp.10-11.

O Sonho e o Negativo da Voz

O sonho é uma recuperação, durante a noite, daquilo que não se conseguiu durante o dia. Os desadaptados sonham sempre coisas extraordinárias; há escritores que tomam apontamento dos sonhos que têm, mas é tudo recriado peça a peça ... Breton não sonhava, escrevia sonhos, o que é diferente. É literatura.
Eu invento os sonhos que quero, de dia. Mas não me apetece nada inventar.
O sonho é a realização compensada de um desejo, realização que não tem de ser forçosamente erótica.
Não sei explicar, mas faz um alarido incrível e não sei como explicar porque é uma voz do silêncio.Uma voz que, no fundo de mim, me chama e me chega aos ouvidos: "Léo!" Porquê? Donde vem ela? Nunca a poderei gravar, porque não é exterior, está em mim. Se fosse exterior, seria Hitchcock, uns pés sob o reposteiro. Ora essa voz vem do mais fundo do fundo.
Fico sempre arrepiado. Falei no caso a Sartre e ele disse que também lhe acontecia. Quando lhe confessei que sentia medo, respondeu-me: "A mim excita-me!"
Chamam-me? Mas quem? Eu gostava de recriar este timbre sem timbre, esta voz em negativo, esta anti-voz.

Léo Ferré, in op.cit., pp.39-40

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