História e Epistemologia da Física - A perspectiva de Gerald Holton (1)

Aprecio, particularmente, a abordagem temática de Gerald Holton à História da Física, as interacções que estabelece entre as ciências ditas naturais/exactas e as chamadas humanidades.

Tradução e análise dos capítulos “A Imaginação Temática na ciência” e “O Universo de Johannes Kepler: a sua Física e a Metafísica”, do livro de Gerald Holton, The Thematic Origins of Scientific Thougth: Kepler to Einstein, Cambrige/ Mass., Harvard University Press, 1988.



Síntese das coordenadas estruturadoras dos capítulos:


1.1. Perspectiva institucional e pública da investigação científica, enquanto produto do método indutivo-hipotético-dedutivo.
Consequente dicotomia entre a ciência e outras áreas da cultura.
1.2. O plano contingente x-y, ilustrativo da concepção acima referida e que concebe as teorias científicas como o resultado da interacção de duas componentes: os dados empíricos e a sua ordenação analítica.
1.3. Insuficiência do modelo bidimensional para explicar a génese das teorias científicas.
1.4. A terceira componente: dimensão temática ou z, subterrânea.
1.5. Descrição de exemplos, históricos e contemporâneos, elucidativos da dimensão z.
Superação das dicotomias.

2.1. A singularidade da figura de Kepler.
2.2. A física kepleriana e a intuição da unidade do universo.
2.3. A máquina celestial: tentativas para a construção de uma física matemática.
2.4. Os critérios de análise do real: princípios mecânicos e harmonias matemáticas.
2.5. Heliocentrismo e teocentrismo: pitagorismo e neo-platonismo; física e teologia, na origem e formação da física moderna.


1. “A Imaginação Temática na Ciência”:

1.1. Embora relevando, o facto de que o modo como as teorias científicas são construídas, não está longe de ser objecto de consenso, G.Holton afirma que a concepção contemporânea mais comum de ciência, segue o esquema de Friedrich Dessauer, considerando que o método científico por excelência é o método hipotético dedutivo.
Este método é composto por cinco etapas, a saber:
1. Formular hipótese prévia, enquanto resposta provisória, suposição, obtida por indução a partir da experiência, para um dado fenómeno.
2. Estruturar a hipótese (elaboração de um modelo análogo matemático ou físico).
3. Extrair conclusões lógicas ou previsões da hipótese estruturada implícitas na testagem experimental.
4. Testar as consequências prognosticadas, deduzidas a partir do modelo, contra a experiência, mediante a observação livre ou um plano experimental (controlo e manipulação de variáveis).
5. Se as consequências deduzidas se fundamentarem na experiência e corresponderem aos factos observados, dentro dos limites previstos e se todas as ilações tiverem sido extraídas, o resultado obtido poderá então ser considerado universalmente válido e estabelecido cientificamente. (Generalização de resultados).
Dessauer, afirma que não é dogmático e como tal submete a sua opinião ao julgamento da própria natureza, estando preparado para a aceitar sem reservas. Para ele o método indutivo, constitui o método por excelência de toda a época moderna e a fonte de todo o nosso conhecimento e poder da e sobre a natureza.
Na perspectiva de Holton esta forma de pensar conduziu a uma maior separação entre cientistas e humanistas, uma vez que se centra a prática científica nos factos e no processo indutivo. Omitindo-se, o debate, acerca da fonte da indução original ou sobre os critérios de pré-selecção os quais são inevitáveis no trabalho científico.
Embora esta perspectiva acerca do procedimento científico, não esteja errada e caracterize certos aspectos da ciência enquanto instituição científica, não nos permite compreender as decisões e acções do cientista actual, as categorias e os passos listados atrás são insuficientes porque deixam de fora um aspecto essencial: em maior ou menor grau, o processo de construção de uma teoria científica actual requer decisões explícitas ou implícitas, tal como a adopção de certas hipóteses e critérios de pré-selecção, alguns dos quais não são cientificamente válidos, no sentido previamente dado e usualmente aceite. Uma consequência, deste reconhecimento, seria a redução da dicotomia entre humanidades e científico-naturais. Isto tornar-se-ia evidente primeiramente no plano em que as decisões explícitas ou implícitas são mais reveladoras, nomeadamente na formação, testagem/verificação, aceitação ou rejeição das hipóteses.
No intuito de ilustrar este ponto o mais concretamente possível, o autor enuncia as quatro regras do raciocínio filosófico - Regulae Philosophandi- do célebre e conhecido III Livro dos Principia de Newton. Estas regras( I- da simplicidade, II- da uniformidade, III- da universalidade e IV- da correcta indução ) não constituem de modo nenhum um modelo de coerência lógica. Elas desenvolvem-se de uma forma complexa, começando por apenas duas regras(I e II) na primeira edição dos Principia onde eram designadas por Hipóteses I e II. Devido ao crescente desagrado de Newton pela controvérsia, procedeu às correcções da terceira edição, acrescentando a polémica IV regra através da qual contra-atacou os Cartesianos e os Leibnitzianos. Por seu turno, séculos mais tarde, A. Koyré, descobriu, quando analisava os manuscritos de Newton, a existência de uma V regra, escrita e depois suprimida. As partes mais significativas para G. Holton, são a primeira e a última frases da regra, e as razões plausíveis porque deveria ser suprimida.
Regra V: Tudo quanto não for derivado das próprias coisas quer pelos sentidos ou pela razão, é para ser tomado como hipótese. (...) E aquilo que não puder ser demonstrado nem pelos fenómenos nem no seguimento deles por argumentos baseados na indução, eu sustento como hipóteses.
Newton utiliza aqui, o termo hipótese numa acepção claramente pejorativa, e que se pode relacionar com a sua célebre declaração, hypotheses non fingo, quiçá dirigida contra a física conjectural de Descartes, inscrita no penúltimo parágrafo do Scholion Generale com que finda os Principia: Não consegui até este momento, partindo dos fenómenos, descobrir a causa destas propriedades da gravidade e não imagino/fabrico hipóteses, pois tudo o que não é deduzido dos fenómenos deve ser chamado hipótese e as hipóteses, quer metafísicas quer físicas, introduzindo qualidades ocultas ou mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental..
Na Óptica, 1704, ele escreveu em primeiro lugar: O meu desígnio neste Livro não é explicar as Propriedades da Luz mediante Hipóteses, mas propô-las e prová-las através da Razão e da Experimentação.Todavia , apesar de preconizar publicamente, que todo o conhecimento da natureza deve partir absolutamente da experiência, pois apenas ela permite estabelecer as propriedades das coisas e procurar depois as hipóteses para as explicar e de caracterizar a ciência como um esquema dedutivo a partir de axiomas e de definições donde é possível extrair as leis dos fenómenos, Newton, não deixou de reflectir sobre as causas, ainda por descobrir, das leis gerais da natureza cuja verdade é mostrada pelos fenómenos, e de as remeter para o poder divino, em textos diferentes dos seus grandes tratados científicos. A sua visão do mundo estava impregnada de motivações teológicas e de pressupostos metafísicos
( conceitos de espaço e de tempo, considerados enquanto entidades absolutas e mesmo atributos de Deus). No fundo, a causa da gravidade para Newton, era Deus - hipótese temática.
A hipótese é uma conjectura ou suposição. Constitui uma antecipação mental do modelo de explicação do fenómeno mediante o equacionamento dos dados observacionais mais relevantes, partindo da experiência, não decorre directamente dela, é uma criação livre da imaginação do cientista, limitada pelos factos que se propõe explicar - não se reduz, por conseguinte a uma mera fantasia.
A hipótese temática, é muitas vezes, uma proposição impotente, no sentido de que a pesquisa , a busca de alternativas foi em vão. O que tornou o seu trabalho na física auto- significativo, foi seguramente, a convicção de que Deus penetrava o mundo real e o manipulava. Ele recusou aceitar dados que contradiziam os seus pressupostos temáticos, tal como Dalton, Mendel e outros.
Lendo Newton, encontramos abaixo da superfície, os problemas que realmente o obcecavam:
1. A causa da gravidade, cuja existência ele estabelecera a partir dos fenómenos.
2. A existência de outras forças para explicar a coesão, os fenómenos químicos, etc.
3. A natureza do espaço e do tempo, que ele designou de os sensores de Deus
4. E as provas da existência da Divindade.
O seu prgrama era a busca de uma omnisciência fundamental.

1.2. Perspectiva/modelo bidimensional da ciência

O discurso científico trata de dois tipos de afirmações com sentido: as proposições fenoménicas- relativas a assuntos/factos empíricos, que se reduzem a medições, postas na forma de frases protocolares expressas na linguagem corrente, dignas de merecer o assentimento geral da comunidade científica- e as proposições analíticas- de cariz lógico-matemático, tautológicas,e que fazem sentido desde que sejam consistentes relativamente ao sistema de axiomas adoptado.

Continua ...

Comentários

Mensagens populares