Breve Panorâmica das Correntes/Tendências Estéticas Dominantes em Portugal (1910-1950)


Entre 1910 e 1926 não houve rupturas significativas numa produção cultural que se por um lado prolongava correntes do fim do século XIX, Naturalismo, Simbolismo, por outro deu origem a uma fase que genericamente se poderá designar de “pós-naturalista”, marcada por formas várias de experimentalismo.

O Naturalismo em Portugal teve um aparecimento tardio, mas entusiástico, no final dos anos 70 do século XIX, alheio ao Impressionismo nascente, prolongou-se pelo século XX. Enquanto em França, o Naturalismo se enquadrava entre o Realismo e o Impressionismo, em Portugal exceptuando casos particulares e marginais não se registou a formação de escolas impressionistas ou realistas. A persistência do Naturalismo português, explica-se em parte pela neutralidade temática com que se identificou a burguesia, cuja fixação ao longo de sucessivas gerações na estética naturalista se manteve, independentemente, dos diferentes regimes políticos.(1)

O Naturalismo português ignorou extremismos recusando quer a componente social e revolucionária implícita no Realismo quer a transmutação expressiva do Impressionismo. Os escritores que se diziam realistas juntaram-se aos pintores naturalistas encontro que atenuou o realismo dos escritores e contribuiu para o êxito cultural dos pintores, que beneficiaram do prestígio dos literatos. (2)

O Naturalismo tornara-se tradição de bem fazer em arte até porque a sociedade burguesa projectava neste estilo de pintura o seu gosto comedido e avesso a qualquer tipo de manifestações estéticas modernizantes. Assim, o paisagismo de Silva Porto (1850-1893) e Marques de Oliveira (1853-1927), a pintura de ar-livre de Carlos Reis (1863-1936), as cenas populares de Malhoa (1855-1933) e a pintura interiorista de Columbano (1857-1929), constituíam a temática e os artistas preferidos pelo público. (3)

O Simbolismo representado na pintura por António Carneiro (1872-1930) e na literatura por Eugénio de Castro (1869-1944), Camilo Pessanha (1867-1926) e Alberto de Oliveira (1873-1940) foi uma manifestação fugaz. António Carneiro apostou numa estética antinaturalista, pessoalizada, metafórica a que os valores simbolistas conferiam uma dimensão conceptualizante e literária que não teve eco na sociedade portuguesa da época. (4)

O movimento modernista que se iniciou em 1915, de tendência cosmopolita, exerceu pouca influência na sociedade de então, em parte devido à crítica mordaz e irreverente aos valores estéticos e morais burgueses. Despertaram a indignação e a ironia, o Salão dos Humoristas e Modernistas provocou o sarcasmo e a hostilidade do público. A apreensão da revista Portugal Futurista (1917), anuncia o fim do Futurismo. (5) A revista Orpheu (1915) também tivera efémera duração, tendo aquando do seu aparecimento obtido como reacções de acolhimento o espanto, a incompreensão e o alheamento. (6)

A obra de Fernando Pessoa (1888-1935), por exemplo, só foi publicada e obteve reconhecimento durante e depois da II Grande Guerra e só nos anos oitenta se transformou no ícone reconhecido internacionalmente. A sociedade portuguesa do tempo rejeitou visceralmente o primeiro movimento modernista mas ao nível especificamente artístico os anos de 1915-1917, foram anos de excepção, de grande criatividade. (7)

António Ferro (1895-1958) que participara em todas as manifestações de literatura modernista, foi o editor da revista Orpheu, em 1915, escandalizou o público do S.Carlos com a peça Mar Alto, proibida por ser considerada imoral e desencadeou uma série de polémicas com a criação do Teatro Moderno. Irá depois enquanto chefe da propaganda salazarista, ideólogo e principal impulsionador da “política do espírito” (8) apoiar a arte modernista e subsidiar a realização de eventos e objectos artísticos literários, escultóricos e arquitectónicos - inspirados na estética modernista. Apesar de serem discutíveis os critérios de António Ferro ( pois apoiou uns e afastou outros, motivado por preconceitos ideológicos) sob a sua orientação produziram-se obras de inegável valor artístico, vejam-se as obras de Almada Negreiros (1893-1970), de Cassiano Abranches (1898-1969). Dirigiu o SPN até 1950, dinamizou a participação de Portugal nas Exposições de Paris, de Nova Iorque e foi comissário da Exposição do Mundo Português. O afastamento de António Ferro e a adopção de medidas conservadoras em matéria de arte e estética irão degradar o panorama artístico português. Culturalmente, os anos 50 começam mal para o regime: 1951 é o ano da última Exposição de Arte Moderna do SNI, no ano seguinte surge o Movimento de Renovação de Arte Religiosa, que retoma a questão das relações entre a Igreja e a arte moderna.

A Exposição Vespeira- Azevedo Lemos revelou entretanto uma outra corrente intelectual e artística importante e reprimida - paralela ao modernismo de Ferro nos anos 30 e 40 - o movimento surrealista. (9)

O o movimento da Presença (1927-1940) constituiu um segundo modernismo, e desenvolveu uma arte para e pelo homem. Os presencistas procuraram valorizar o humano através da arte. Abordaram temas de natureza psicológica em análises introspectivas cujo objectivo era mergulhar nas pulsões do inconsciente e expor as emoções, os sentimentos livremente, sem condicionamentos de ordem ética ou estilística. A matriz psicológica da Presença originou nos anos 30 um movimento expressionista representado por pintores como Mário Eloy (1900-1951), Dominguez Alvarez (1905-1942), Júlio (1902-1983) e Carlos Botelho (1899-1982). Afastaram-se assim da problemática política, contrariamente à Seara (1921) e à Águia (1910-1927), contornando deste modo o obstáculo da censura e negando a existência de limitações à criatividade artística.

O psicologismo intelectualista de inspiração psicanalíticaintuicionista/bergsoniana conduziu os elementos da Presença a um processo de individualismo crescente, ao agravamento de divergências estéticas e finalmente à desagregação do grupo. Os escritores da Presença foram o alvo dos ataques dos neo-realistas, devido ao seu distanciamento dos assuntos políticos e sociais. Tendo “a batalha pelo conteúdo contra a arte pela arte”, em 1950, envolvido os presencistas José Régio (1901-1969), Casais Monteiro (1908-1941) e neo-realistas como Alves Redol (1911-1969), Gomes Ferreira, Àlvaro Cunhal, Mário Dionísio. Os periódicos utilizados para esse fim foram vários, Sol Nascente, O Diabo, Seara Nova, Pensamento, Agora, Gládio, entre outros.



Notas


(1)(Raquel Henriques da Silva, “Romantismo e Pré-Naturalismo”, in Paulo Pereira (ed.),História da Arte em Portugal, (Lisboa, Temas e Debates, 1995),p.337 e Rui Mário Gonçalves, “Persistência do Naturalismo no Século XX”, in História da Arte em Portugal, Pioneiros da Modernidade, (Lisboa, Alfa, 1993), vol.12, p.35.
(2) Rui Mário Gonçalves, “Persistência do Naturalismo no Século XX”, in História da Arte em Portugal, Pioneiros da Modernidade, (Lisboa, Alfa, 1993), vol.12, p.35.
(3)Maria Margarida L.G. Marques Matias, “O Naturalismo na Pintura”, in História da Arte em Portugal, Do Romantismo ao Fm do Século, (Lisboa, Alfa, 1993), vol.11, pp.29-134.
(4) David Santos, “1900-1960 Modernismo sem Vanguarda,” Arte Ibérica, 32, (Fevereiro-2000), pp.8-16. Raquel Henriques da Silva, “Romantismo e Pré-Naturalismo”, in Paulo Pereira (ed.),História da Arte em Portugal, (Lisboa, Temas e Debates, 1995), vol.3, pp.345-346. Laura Castro, António Carneiro, (Lisboa, Inapa, 1997).
(5) A apreensão do “Portugal Futurista” estabeleceu o limite de resistência da sociedade às novas ideias literárias e sociais, até porque se começavam a formar as condições para a intervenção sidonista, de tipo conservador e germanófilo. Não tendo resultado a ironia sistemática nos artigos de jornais, a paródia nas revistas ou peças teatrais, e até nos romances, acabou por surgir a repressão policial, desencadeada sobretudo pela provocação superficial dos textos mais do que pelo seu conteúdo, dificilmente perceptível por um público que não ia além da escassa elite informada das ideias modernas. Ver, Nuno Júdice, “O Futurismo em Portugal”, in Portugal Futurista, Edição Facsimilada, ( Lisboa, Contexto, 1990 ).
(6) Ver, Ilídio Rocha, “ Reinaldo Ferreira e os «Futuristas» -1«Os Dissidentes da Monotonia»”, in História, Ano XIII, 146, ( Novembro, 1991 ), pp.74-83, Eugénio Lisboa, Poesia Portuguesa: do «Orpheu» ao Neo- Realismo, ( Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1980 ).
(7) Ver José Augusto França, A Arte em Portugal no Século XX,1911-1961 ( Lisboa,Livraria Bertrand, 1985 ) e Rui Mário Gonçalves, “ 1910-1918 - Humorismo e Futurismo, A Ânsia da Originalidade”, in Rui Mário Gonçalves, História de Portugal, Pioneiros da Modernidade, (Lisboa, Alfa, 1993), vol.12, pp.49-96 e Raquel Henriques da Silva, “Sinais de Ruptura, “Livres” e Humoristas”, in Paulo Pereira (ed.),História da Arte em Portugal, (Lisboa, Temas e Debates, 1995), vol.3, pp.369-404.
(8) Ver, Artur Portela, Salazarismo e Artes Plásticas, ( Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1982 ), p112-113. Jacinto Baptista, “ À Procura do Espírito na Política do Espírito do Estado Novo” e Ernesto Castro Leal“, António Ferro” in João Medina, História de Portugal, ( Lisboa, Cube Internacional do Livro, 1996), pp.63-113, 127-132, Maria Paula Ferreira, “ O Papel do SPN/SNI nas Artes Plásticas Portuguesas”, in História, Ano XIV, 153 ( Junho, 1992 ), pp. 4-23.
(9) Ver, Artur Portela, Salazarismo e Artes Plásticas, ( Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1982 ), p112-113 e Adelaide Ginga Tchen, Maria José Pinto, “Surrealismo em Portugal, o Sonho e a Liberdade”, in História, Ano XVIII, 15, ( Dezembro, 1995 ).pp.34-45.

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