Aporias (7)

Susana (doutoral) - Muitas são as provas apresentadas por Aristóteles para defender a necessidade da existência de um primeiro motor ou acto puro, entre muitas outras designações, relacionadas com características, que ele usa para o nomear.
O primeiro motor nada tem em si de virtual, ele é perfeição absoluta, nele a essência implica a existência. Ele está para além da física sublunar e supralunar, o movimento que ele imprime é precisamente aos elementos do sistema supralunar e estes por sua vez ao sistema sublunar. Não sendo um princípio natural pois não tem matéria, ele move naturalmente, mediante uma aspiração interna dos seres suscitada ao nível das potências latentes,move como forma superior a todas as formas, em perfeita posse de si mesmo e como telos universal para o qual todo o cosmos tende, por atracção, provocando no interior da natureza uma tendência à perfeição.
Estando permanentemente em acto- ele não pode mover por contacto, pois tudo tudo o que move por contacto é movido ao mesmo tempo - ele é eterno, imovél e impassível. Ele é aquilo para o qual de grau em grau tudo se dirige, é aquilo que todo o universo imita atrvés de todos os ciclos e movimentos periódicos da natureza e dos seres. A eterna periocidade da natureza imita a eterna continuidade do pensamento divino. A vida do primeiro motor é pura contemplação de si próprio, por isso ele é indiferente aos seres que por ele anseiam, pensar nas coisas sensíveis, contaminaria a pureza do conhecimento divino, pondo nele uma potencialidade cognoscitiva. Ele existe separado do cosmos como substância incorruptível, pensamento em si mesmo.

Paulo ( curioso) - E como fundamenta ele a necessidade de um tal princípio? Eu já li a Metafísica, mas interessa-me conhecer mais uma abordagem que não a minha ou as de comentadores que, tenho lido como é caso de Brentano.

Susana - Sim, Brentano recusa a tese tradicional da impassibilidade divina ...
Quanto à minha interpretação acerca da justificação do primeiro princípio, baseia-se no seguinte extracto do livro Teta: É evidente que nem aqueles que pretendem estar tudo em repouso, nem aqueles que pretendem que tudo está em movimento, dizem a verdade. Se com efeito, tudo está em repouso, as mesmas coisas serão eternamente verdadeiras e eternamente falsas, ora é evidente que as coisas, nesta perspectiva mudam, pois aquele mesmo que admite que tudo está em repouso, existiria apenas num dado momento e num outro não mais existiria. Se ao contrário tudo está em movimento, nada seria verdadeiro, tudo seria falso. Mas foi demonstrado que isso é impossível. Para além do mais, é necessário que aquilo que muda seja um ser, pois a mudança faz-se a partir de qualquer coisa para outra coisa. Enfim, não é verdade que tudo se encontre sempre em repouso, ou sempre em movimento e que nada haja de eterno, pois há um ser que move continuamente as coisas em movimento e o primeiro motor é imóvel. Nesta passagem ele critica os eleáticos e os heraclitianos e demonstra a necessidade de estabelecer um fundamento, uma resposta razoável para a compreensão da eternidade do movimento.

Paulo (interrompendo-a) - Na Física, ao afirmar que tudo aquilo que é movido é-o por um motor, e que isto é válido para todos os seres, tanto para os que se movem por si próprios, como para os que se movem por outro, uma vez que nenhum deles tem em si a causa geradora e eficiente e ao deduzir dái a necessidade de um primeiro motor automovido, cuja natureza consiste em ser pura forma e essencialmente fim , ele também demonstra a necessidade de um primeiro motor como consequência da eternidade do movimento, fundamentando também de modo racional, a perenidade do cosmos, a sua ordem e equilíbrio, remetendo para a imutabilidade do primeiro motor, concluindo que da sua invariabilidade, depende a condição de movimento ou repouso em determinado momento ao nível dos entes.

Susana (completando o discurso de Paulo) - No fundo, para ele analogicamente todas as coisas têm os mesmos princípios, e, ele vai demonstrar que todos os princípios estruradores do real, matéria e forma; acto e potência; substância e acidente; as quatro causas; vão desembocar num primeiro princípio que os fundamenta a todos enquanto Forma Pura, Acto Puro, Substância primeira, Causa Primeira, Formal, Eficiente e Final por excelência.
Os vários graus de desenvolvimento dos seres não se sucedem ao acaso, coordenando-se reciprocamente de modo a atingirem a realização do próprio fim. Os entes corruptíveis imitam o movimento dos corpos celestes, tal mimesis é explícita na passagem constante dos elementos de um para o outro. Todos os seres tendem para esta substância primeira, o cosmos e todas as suas partes se movem para ele mediante a mimesis da sua energeia, os entes celestes mediante as revoluções circulares perfeitas, os entes corruptíveis pela sua genesis-phthora cíclica. O homem está mais próximo do Primeiro Motor pois é capaz da mesma espécie de energeia-noesis, embora porque situado no âmbito da potência e do acto, realiza-a de maneira imperfeita e intermitente.

Paulo (entusiasmado) - Isso vai conduzir-nos a uma outra aporia.A alma humana, enquanto exerce funções intelectivas é designada por nous, o qual se apresenta no homem com uma dimensão passiva e uma dimensão activa, passivo enquanto receptivo e capaz de receber a impressão da essência desmaterializada; activo, enquanto actualiza ou seja torna inteligível em acto, a essência que nos entes apenas é inteligível em potência. O carácter abstracto e universal das ideias resulta de uma capacidade específica da alma: o intelecto activo ou agente. A operação intelectiva é uma função imaterial porque a ideia, nada tem de material, consequentemente a alma que realiza tal operação também é imaterial. Segundo a teoria da causalidade o efeito imaterial tem uma causa imaterial, ou seja, a alma intelectiva. Ora sendo imaterial a alma intelectiva é espiritual, e pela sua espiritualidade deve ser independente da matéria, pelo menos intrinsecamente, e como tal seria incorruptível...todavia Aristóteles não expressa claramente se a alma na sua totalidade ou se o intelecto activo, serâo imortais, dando origem às mais variadas interpretações. Para S. Tomás, o nous fazendo parte da alma individual e sendo incorruptível confere imortalidade a toda a alma. Por seu turno Averrois diz haver um único intelecto para todos os homens e a imortalidade é impessoal, esta tese talvez se apoie na passagem do De Anima, II- 415 b- admira a sapieência- onde se afirma que sendo a alma causa formal e final de um corpo orgânico, ela não pode sobreviver à dissolução da união com esse corpo, a não ser, talvez como parte da espécie.

Susana ( em desacordo) - Todavia essa tese refere-se ao corpo orgânico, aos seres vivos em geral e não ao caso particular do homem, pois mais adiante ele considera o nous separável. Por outro lado, tal hipótese, de um intelecto para todos os homens contraria os postulados do isolamento da Substância Pura.

Paulo (mordaz) - Os teus argumentos não me parecem convincentes nem conclusivos. Em primeiro lugar o facto do nous ser separável não contradiz no essencial o argumento de Averrois e em segundo lugar, a substância primeira não é obrigada a conviver com o intelecto humano quer ele seja comum a toda espécie ou individual.

Susana (impressionada) - Tu és terrível, Sócrates, o moscardo de Atenas, se estivesse entre nós seria, certamente, picado por ti e derrotado pelos teus argumentos.

Paulo (displicente)- Bem o que realmente me interessava debater é a noção de contínuo em Aristóteles, porque é sobre esse problema que estou a investigar e a reflectir.

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