Aporias (9)

Amanhã terminarei este diálogo - Podem suspirar de alívio :)

Susana (impaciente) – A tua explicação já vai longa ...


Paulo (indiferente à advertência) -A óptica, a harmonia e a mecânica tratam os seus objectos como linhas e números ou seja estudam os corpos enquanto planos, e linhas e divisíveis, ou como divisíveis tendo posição, ou unicamente como divisíveis.
Se uma característica, propriedade ou entidade, forem separáveis como é o caso de recto e polido, podemos discuti-las sem atender a outras qualidades, eventualmente presentes, ou proceder a uma descrição mais complexa. Sendo, no entanto, impossível realizar ambas as operações simultaneamente pois para ele os planos matemáticos não podem subdividir os objectos físicos- não é possível marcar ou subdividir um objecto físico por um ponto ou plano matemático- só se pode actuar assim relativamente às superfícies possuindo estas propriedades físicas que não são intrínsecas ao corpo físico inteiro. Quando os corpos se unem ou dividem, os seus limites tornam-se, de imediato, um só quando se tocam, e dois quando são divididos. Assim, quando os corpos se combinam a superfície não existe, desapareceu.1002b1segs.
Um corpo contínuo não apresenta partes, a menos que seja cortado e consequentemente interrompida a sua continuidade. Aplicado ao movimento significa que parte de um movimento contínuo pode ser separada de outra parte do mesmo movimento; isto é o movimento deve parar e recomeçar . Foi assim que Aristóteles solucionou um dos paradoxos de Zenão, através do qual o eleata defende que o movimento é impossível porque antes de chegar a um ponto o móbil deve cobrir primeiro metade da distância, depois metade da metade, e assim sucessivamente. Aristóteles defendeu ser possível subdividir o movimento, quer recorrendo a pontos matemáticos - caso em que não houve nenhuma subdivisão- quer recorrendo a pontos físicos - caso em que a divisão altera o movimento, transformando-o num movimento interrompido, que nunca se conclui.

Susana (céptica)- No entanto são muitas as críticas às soluções dos paradoxos de Zenão elaboradas por Aristóteles. Afirma-se inclusivamente que a fecundidade potencial dos seus desenvolvimentos científicos permaneceu esterilizada por preconceitos de ordem filosófica, que o impediram de alcançar o conceito de limite e, por conseguinte, de transpor o conceito de contínuo do domínio da grandeza extensa, espacial e temporal para o plano da grandeza numérica. Ele deteve-se precisamente no momento de alcançar um conceito geral de grandeza matemática, que fosse a um tempo contínuo e infinito. Claro que o maior obstáculo a esta unificação se prendeu com a sua necessidade de mantê-las afastadas e opostas para evitar, na grandeza extensa(caracterizada como contínua) , o reconhecimento da infinitude do processo de agregação, que não podia ser negada na série numérica.

Paulo (indignado) - Na verdade, é bastante reduzido o número de pessoas satisfeitas com esta solução.Mas julgo que o principal motivo se prende com o facto da ideia de movimento habitualmente associada ao paradoxo divergir da concepção de movimento utilizada por Aristóteles para resolver a aporia. A crítica mais frequente defende que ele pura e simplesmente contorna o paradoxo, de uma forma muito simplista, introduzindo operações de subdivisão, quando o problema se restringe à natureza de um movimento que prossegue sem interferência. Esta apreciação assenta no pressuposto de que este tipo de movimento é constante, que a aporia se gera do seu uso incorrecto e que é imprescindível corrigir este equívoco ao invés de se aludir a processos totalmente diferentes.
Caso este preconceito esteja incorrecto e a noção de movimento implícita seja inadequada e incoerente, a sua substituição já não é uma fuga à questão e torna-se uma exigência. Logo a pergunta crucial é: qual a concepção de movimento preconizada e defendida pelos advogados do contorno?
A concepção implícita no argumento de Zenão resume-se a: para cada ponto A de uma linha a ser atravessada, o fenómeno que passa pelo ponto A pertence ao movimento quer interfiramos quer o ignoremos. Os movimentos são constituídos por fenómenos individuais punctiformes e as linhas são constituidas por pontos indivisíveis. Aristóteles não credita esta hipótese porque sustenta que uma entidade contínua, uma linha ou movimento contínuos, caracterizam-se pelas suas partes se ligarem ou permanecerem unidas de forma especial. As realidades indivisíveis como pontos ou tangentes não se podem unir-se de modo nenhum, donde se segue que as linhas não podem ser formadas por pontos e os movimentos contínuos por pontos tangenciais.
O segundo argumento, que Aristóteles considera uma versão idêntica ao primeiro e soluciona de maneira semelhante, é o chamado de Aquiles: o corredor mais lento nunca será alcançado na sua corrida pelo mais veloz. Na realidade, será necessário que o perseguidor avance até onde se moveu o fugitivo, pelo que há necessidade de o corredor mais lento se encontrar sempre um pouco mais adiantado.
O terceiro é o da seta voadora e postula que se objecto está em repouso, quando ocupa um espaço igual às suas próprias dimensões. Uma seta em voo, ocupa , em qualquer momento dado, umespaço igual às suas próprias dimensões, logo uma seta em voo está em repouso. Este paradoxo é um consequência da hipótese de que o tempo é composto de momentos, se esta hipótese não for admitida, a conclusão não tem viabilidade. Este argumento ao contrário dos dois que o precederam, trata igualmente o espaço eo tempo como algo composto de mínimos indivisíveis, comenta Aristóteles e contra-argumenta, afirmando que não existe movimento no presente e que o que se move não tem uma distância bem definida na direcção do movimento
A essência da resposta de Aristóteles a Zenão é que é impossível percorrer um espaço infinito num tempo finito, é possível atravessar um espaço infinitamente divisível num tempo finito, uma vez que um tempo finito é ele próprio infinitamente divisível.

Susana ( crítica) - A quarta aporia , é de longe a mais intrincada de todas e parece- me que é quase certo que nem o próprio Aristóteles a compreendeu bem pois Zenão seria demasiado perspicaz para incorrer no paralogismo de que ele o acusa. Este paradoxo, diz respeito a duas filas de corpos, sendo cada fileira constituida por igual número de corpos do mesmo tamanho, passando uma pela outra numa pista de corridas, à medida que avançam, com igual velocidade, em direcções opostas; uma das fileiras ocupa inicialmente o espaço entre a meta e o ponto médio da pista e a outra o espaço entre o ponto médio e a posição de partida. Pensando Zenão que isto implica a conclusão de que metade de um dado tempo é igual ao dobro desse tempo. Para Aristóteles, FALÁCIA do raciocínio reside na hipótese de que um corpo leva o mesmo tempo a passar, com igual velocidade, por um corpo que está em movimento e por um corpo do mesmo tamanho que está em repouso; o que é falso, segundo ele. Por exemplo, admitamos que A, A... sejam os corpos estacionários de igual tamanho, e que B, B...sejam os corpos iguais em número e em tamanho aos A, A..,que ocupam inicialmente a metade da pista desde o ponto de partida até ao meio dos A, A, e T, T... os que de início ocupam a outra metade, desde a meta até ao meio dos AA, e iguais em número, tamanho e velocidade a B,B.. Então, seguem-se três consequências...

Paulo (entediado e divertido) - Susana! Eu também conheço a aporia das fileiras os massa em movimento, na versão aristotélica , mas vou simplificar... Temos uma série de três massas, A, B e C. A está em repouso; e B desloca-se para a direita, C para a esquerda, ambas à mesma velocidade. Enquanto C passa por todos os Bs, B passou apenas por metade dos As. Pressupondo que na passagem das duas massas é dispendido o mesmo tempo quer elas se encontrem em movimento ou em repouso, é lógico inferir que B ao passar por metade dos As passa igualmente por todos os Cs e consequentemente, gasta metade do tempo, enquanto os Cs passam duas vezes por igual número de Bs e As levando o dobro do tempo para o mesmo processo. Ao negar o pressuposto, Aristóteles elimina o paradoxo.

Susana (discordando) - Como já disse no início da descrição da quarta aporia, penso que Aristóteles, não entendeu na sua globalidade e complexidade o nó este argumento. O truque para desatar este nó está na sua articulação com os outros paradoxos, tal com o de Aquiles se relaciona com o primeiro dos argumentos, este depende do da seta. Ambos se fundamentam no premissa de que o espaço e o tempo são compostos por mínimos indivisíveis. Subrepticiamente, Zenão pretendia arrassar a confusão pitagórica entre as unidades indivisíveis da aritemética com os pontos de grandeza geométricas infinitamente divisíveis.
Por isso penso que para Zenão cada uma das massas representaria um dos tais mínimos indivisíveis do espaço, e que as filas dos B e C estão a deslocar-se com velocidade tal que lhes possibilitaria passar por um A num mínimo indivisível de tempo. Se se considerar que o espaço consiste realmente em mínimos indivisíveis, então é legítimo desenhar numa escala, independentemente da sua amplitude um diagrama representando uma quantidadde desses mínimos e é igualmente válido se também se aplicar ao tempo. Admitidos estes pressupostos todo o paradoxo é consistente. Porque assim sendo, enquanto cada B passou por dois AA, ou seja em dois mínimos indivisíveis de tempo, cada C passou quatro BB, o mesmo é dizer que dispendeu quatro mínimos indivisíveis... E demonstraria deste modo, aos pitagóricos, que os mínimos ditos indivisíveis são divisíveis.

Paulo (em defesa da sua tese) - Todavia se o nó górdio da aporia não tiver nada a ver com os ditos mínimos,
Aristóteles, estará certo.
Rafael Ferber, sugeriu a existência de uma relação entre esta aporia e versões anteriores segundo as quais o que é infinitamente divisível possui o mesmo núnero de indivisíveis, independentemente do tamanho.
Parménides, mestre de Zenão, preconizava que a Unidade é sempre homogénea, consequentemente a parte tem a mesma estrutura do todo, tem, por exemplo o mesmo número de subdivisões. Daqui se pode deduzir uma interpretação do quarto paradoxo, que irei desenvolver e esquematizar figurativamente no meu papper onde demonstrarei através de um diagrama, que, o todo é reduzido a metade de si mesmo, considerando que se qualquer ponto de C, contínuo, designado por O, transitar para o extremo direito R de B, então situar-se-à abaixo de P, a meio caminho entre R e O, correspondendo P a O. Inversamente, para cada ponto S em A haverá apenas um ponto C. Resultado que Aristóteles provavelmente aceitaria, desde que a localização se situasse entre cortes que criam pontos e não pontos pré- existentes.

Susana (concentrada, dada a complexidade e grau de abstracção dos argumentos) Estás, certamente a pensar na concepção de Aristóteles de contínuo, como aquilo que é divisível infinitamente, sendo as partes distinguíveis umas das outras pelo lugar que ocupam. Ele define que A é contínuo a B quando os limites, pelos quais se tocam, se confundem. O contacto implica uma consecutividade, mas não vice-versa, por exemplo os números podem ser consecutivos mas não podem tocar-se.E a continuidade implica o contacto, mas não vice-versa. Desta definição segue-se que nenhum contínuo pode compor-se de indivisíveis, nenhuma linha por exemplo de pontos.

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