Aporias (10)

Publica-se hoje a última parte das aporias.

Paulo ( continuando o raciocínio de Susana) - Com efeito. Aristóteles, considera que se um indivisível não possui extremidades e se uma linha fosse composta de pontos, estes deveriam, ou ser contínuos, ou estar em contacto. Contínuos, como vimos, não poderiam ser, nem poderiam estar em contacto. Efectivamente, colocam-se três hipóteses:
1. A totalidade de um deveria estar em contacto com a totalidade do outro;
2. Uma parte de um com uma parte do outro;
3. Uma parte de um com a totalidade do outro.
As hipóteses 2 e 3 são impossíveis, na medida em que os pontos não têm partes. Contudo, se como acontece em 1 a totalidade está em contacto com a totalidade, deixaria de haver aí continuidade pois o que é contínuo tem de possuir partes separadas quanto ao lugar. Por outro lado, o ponto não pode ser consecutivo a um outro ponto, o que constitui uma condição prévia para que se dê contacto, nem o momento ao momento, porque existe uma linha entre quaisquer dois pontos e um tempo entre quaisquer dois momentos.
No mundo físico, os entes unem-se em virtude de uma unidade funcional ou de uma alma, os contínuos lineares mantêm-se unidos porque as suas partes estão assim ligadas.
Se o contínuo fosse composto de indivisíveis, tornar-se-ia possível dividi-lo em indivisíveis. Mas se assim fosse, gerar-se-ia uma impossibilidade, ou seja, o indivisível entraria em contacto com ele mesmo. Por exemplo, as linhas não contém efectivamente pontos apesar de, sendo divisíveis em qualquer parte, conterem potencialmente pontos. E , assinalando os pontos, intervalos, logo as partes de uma linha, como a sua metade da direita ou o seu segundo quinto a contar da esquerda estão contidos na linha apenas potencialmente e não efectivamente. A linha é una, inteira e indivisível a menos que a sua coerência interna seja interrompida por um corte.
Se a extensão fosse composta de indivisíveis, o movimento através desta extensão poderia ser composto de movimentos indivisíveis, quer dizer, de movimentos completos, os quais nunca estariam em vias de ser executados. Assim, aquilo que é movido continuamente também deverá estar continuamente em repouso.

Susana (interrompendo) - Galileu ridicularizou, no diálogo, Duas Novas Ciências, estes argumentos de Aristóteles.

Paulo - Nesse diálogo, Galileu demonstra é irrelevante distinguir entre partes efectivas e partes potenciais desde que não afectem a quantidade. Contudo, a objecção de Galileu não colhe porque o contínuo linear na acepção de Aristóteles compõe-se de extensão e de estrutura, que se altera a cada divisão. É importante relevar que a estrutura de uma linha aristotélica diverge da estrutura de uma série densa, cujos elementos existem na sua totalidade e dão corpo à série, enquanto que a linha aristotélica é una e indivisível até que as suas partes se concretizem por meios adequados.

Susana - Aristóteles, elaborou uma prova, bastante refinada a favor da divisibilidade infinita do tempo e do espaço: supondo que A é mais rápido que B, e que B percorreu uma distância CD num tempo EF. A percorreu então esta distância num tempo menor EG. Logo, B, no tempo EG, transpôs uma distância menor CH. Logo A percorreu a distância CH num tempo menor e assim ad infinitum. Sem qualquer limite somos conduzidos a tempos e a distâncias cada vez mais curtas.

Paulo (explanando o argumento) - Dividir o movimento significa dividir o tempo e a distância e dividir a distância significa dividir o movimento e o tempo. É possível conceber que a extensão linear e o tempo são contínuos lineares múltiplos tal como o movimento. Daqui resulta a definição antiga e também utilizada por Galileu, de mais rápido ou seja , mais rápido é aquilo que ou cobre uma distância maior no mesmo tempo, ou a mesma distância em menos tempo, ou uma distância maior em menos tempo. Distância e tempo podem ter em comum algumas propriedades abstractas, continuidade e divisibilidade, sem serem grandezas homogéneas e relacionar-se entre si, distância com distância, tempo com tempo e movimento com movimento. Embora mais longa e tosca do que a definição equivalente moderna, é mais rica.
No argumento de Aristóteles o mais rápido subdividirá o tempo, dividindo o indivisível, e o mais lento a distância, concluindo-se partir daí que se a distância é contínua, o tempo também o é e vice-versa, até porque a hipótese contrária implicaria a divisibilidade do indivisível.
Aristóteles desenvolve a teoria da continuidade e da infinita divisibilidade do espaço, do movimento e do tempo numa série de proposições admiravelmente deduzidas dos seus princípios fundamentais, algumas delas já foram aqui analisadas.

Susana (especulativa) -E é procedendo desse modo que ele vai estabelecer algumas das premissas necessárias à demonstração da existência de um primeiro motor imóvel. Neste sentido, a sua concepção fundamental seja a referente ao primeiro tempo de um movimento. Um acontecimento dá-se numa série de tempos, de modo semelhante um corpo encontr-se numa série de lugares. O primeiro tempo de um acontecimento é precisamente o tempo por ele ocupado, o seu tempo exacto ou que lhe serve de medida. É observável uma analogia muito próxima entre os conceitos de tempo- medida do movimento e do repouso, do antes e do depois- e de lugar- o primeiro limite imóvel de um continente, ou seja o lugar de uma coisa é o limite interior do primeiro corpo imóvel que o contém, e primeiro considerando o exterior da coisa.

Paulo - Na Física, livro VI, Aristóteles enuncia uma série de proposições bastante interessantes e que podem servir de ponto de partida para o desenvolvimento de novas intuições na investigação actual. O espaço-fluído-contínuo pode ser detectado ou já é detectável, segundo alguns físicos na microfísica.

Susana - E toda a polémica à volta do contínuo e do infinito ao longo da história da matemática e da física, Arquimedes, Cantor, Dedekind...

Paulo (ensonado) - O ingresso nesse labirinto, fica para amanhã, todos os outros intelectos desta casa foram subjugados pelo cansaço, também eu me rendo a Morfeu!

Susana (irónica) - Como diria Kafka, num dos três desfechos do Prometeu, o cansaço irremediavelmente tudo vence, tudo sucumbe à fadiga, os deuses, as águias, até as feridas! Mas, sonha com Afrodite!



Já a fresca aurora de róseos dedos entrava pela janela aberta do escritório...



Bibliografia


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