Aporias (2)
Paulo (divertido) - Ele também preconiza que o ser divino não é providencial nem criador, os seres imperfeitos é que tendem para ele, ele é ordenador. Logo é perfeitamente possível que eles sejam ordenados por diferentes princípios. A preocupação com a exclusividade do primeiro princípio é sobretudo tomista e tua...
Marta (insistente) - O próprio Aristóteles afirma: O mando de muitos não é bom, há apenas um único chefe.
Paulo (trocista) - Sabes melhor do que eu que uma citação isolada, fora de contexto pode ser interpretada de muitas e contraditórias formas, e esta regra aplica-se integralmente ao caso do pensador em questão.
Marta (condescendente) - Quanto a esse aspecto, em particular reconheço que estás certo. De qualquer modo o tema deste nosso debate não será directamente abordado na publicação, até porque se trata de um assunto de natureza mais teológica .
Alexandre (que seguia silenciosa e atentamente o diálogo, resolveu intervir) - Sim. Pela parte que me toca, a minha participação versará fundamentalmente a física aristotélica contraposta à física galilaica. Sendo a primeira apesar de não matematizada, errada e totalmente superada, uma ciência coerente e sistematicamente elaborada, com base nos dados do senso comum. Os factos que a fundamentam são muito elementares e ainda hoje todos consideramos natural observar um corpo pesado cair para baixo.
Paulo ( crítico) - Aliás, a física aristotélica está muito mais próxima do senso comum do que a física de Galileu. Por outro lado, parece-me excessivo declarar que a primeira se encontra completamente ultrapassada. É possível encontrar muitas fontes de investigação na obra do estagirita. As ideias de Aristóteles continuam a influenciar a investigação muito depois de terem sido refutadas pelos cientistas modernos. As concepções aristotélicas reapareceram em biologia, termodinâmica dos sistemas abertos e até nas matemáticas.
A teoria aristotélica do movimento - tendo como consequência que um objecto em movimento não tem extensão precisa e que um objecto precisamente localizado é um objecto em repouso - era mais avançada do que a de Galileu.
Marta ( intrometendo-se) - Não resisto e a propósito da reemergência das teses aristotélicas em biologia, a mencionar Rupert Sheldrake, que em 1981, publicou, A New Science of Life: The Hypotesis of Formative Causation, onde desenvolve a teoria dos campos morfogenéticos e defende que o universo de Aristóteles continha dentro de si factores criativos e determinantes, as formas e características da criação material, a forma é a aparência exterior e a estrutura interna dos seres inorgânicos aos seres vivos. Cada ser desenvolve-se na direcção da sua essência inerente e intrínseca para se tornar completo. O universo é um organismo gigantesco dirigindo-se para a forma perfeita...
Alexandre ( discordante) - Tudo isso é certamente fascinante, mas neste momento estou mais interessado em continuar o debate sobre a física com o Paulo! Guarda o assunto para mais tarde!
A dinâmica aristotélica, apesar da sua perfeição teórica tem um grave inconveniente é absolutamente não plausível... Por exemplo, a concepção segundo a qual cada transmissão de movimento implica um contacto, existindo, segundo ele, apenas dois géneros de transmissão: a pressão e a tracção. No entanto, um fenómeno como o lançamento desmente esta tese...E mesmo os argumentos geniais que ele utiliza para explicar o referido facto são impossíveis. Poderia evocar ainda outros exemplos elucidativos como a negação de todo o vazio e do movimento num vazio.
Paulo (céptico) - O próprio Galileu também vai adaptar, vai moldar, os factos à teoria copernicana, nomeadamente os dados resultantes das observações com o telescópio, até porque os sentidos aplicados em condições anormais são susceptíveis de fornecer respostas anormais ... O modo como Galileu analisou e contrariou o argumento da torre utilizado pelos aristotélicos para refutarem o movimento da Terra, está repleto de elementos ideológicos, ele substituiu uma interpretação por outra diferente, introduziu uma nova linguagem de observação, ele não tinha dados suficientes para comprovar a teoria heliocêntrica
. A interpretação de Galileu retoma os sentidos enquanto instrumentos de exploração, mas restringindo-os à realidade do movimento relativo e também ele vai apresentar inconsistências a este nível .
Deixa-me, ainda, relevar o facto que o modo de proceder de Galileu reduziu drasticamente o conteúdo da dinâmica. A dinâmica aristotélica era uma teoria geral da transformação, abrangendo a locomoção, a mudança qualitativa, a geração e a corrupção, enquanto que a dinâmica de Galileu trata somente da locomoção da matéria, na esperança de que a locomoção incluiria, posteriormente todo o tipo de movimento, passando-se deste modo de uma teoria compreensiva e empírica do movimento para uma explicação experimental especulativa.
Alexandre ( descrente) - Estamos tão familiarizados com os conceitos e princípios da mecânica moderna que sentimos muita dificuldade quando se trata de perceber todos os obstáculos que Galileu e Descartes foram forçados a superar, para os estabelecer. Para um homem de formação aristotélica os conceitos modernos de espaço e movimento são bizarros. Na física de Aristóteles o movimento é um processo de mudança e afecta sempre o corpo em movimento, cada movimento interfere com cada um dos outros impedindo-os, em certas situações de se produzirem enquanto que na moderna o movimento não altera o corpo que se movimenta, porque estar em movimento ou em repouso é-lhe indiferente, não implica mudança. O movimento é uma relação e um estado tal como o repouso o é, tanto um como o outro são estados persistentes e opostos . Todo o movimento é relativo, um corpo só está em movimento quando se encontra em relação com qualquer outro corpo que supomos encontrar-se em repouso. A lei da inércia mostra-nos que um corpo persiste eternamente no seu estado de movimento ou de repouso, sendo necessário recorrer a uma força externa para transformar um estado de movimento em estado de repouso ou o inverso. Ou seja na dinâmica aristotélica a força gera movimento enquanto que na moderna produz aceleração. Por outro lado, a física moderna e a noção de movimento rectilíneo uniforme pressupõem a noção de vazio e requerem a concepção de um universo infinito, princípios totalmente opostos aos da metafísica aristotélica.
Paulo (impaciente) - As estafadas contraposições: universo finito/universo infinito; universo fechado/universo aberto; universo heterogéneo/universo homogéneo, etc ... Aristóteles construiu uma teoria do espaço e do movimento que antecipou algumas propriedades decisivas da mecânica quântica e contornou as dificuldades da interpretação mais difundida e menos sofisticada de um continuum composto por elementos indivisíveis. No meu artigo desenvolverei alguns comentários à teoria da matemática e do contínuo em Aristóteles, o qual se apercebeu da natureza antinómica do infinito matemático afirmando, neste sentido que as considerações acerca do ilimitado levantam uma dificuldade porque se apresentam muitas impossibilidades, tanto se se imagina que ele existe, como se se imagina que não existe..
Alexandre ( contrariado) - Relacionar as teses de Aristóteles com as da mecânica quântica parece-me uma aproximação abusiva. Relativamente ao problema dos números infinitos actuais Cantor vai defender que as razões reunidas por Aristóteles contra o número infinito actual reduzem-se a uma petitio principii, e à premissa de que existem somente números finitos o que Aristóteles deduz do facto de só conhecer numerações de conjuntos finitos.
Paulo (irónico) - Julgo-a tão legítima quanto as aproximações estabelecidas entre Galileu e Platão ou entre Galileu e os atomistas gregos... O que é certo é que a leitura e análise do pensamento genuinamente aristotélico inspirou frutuosamente muitos investigadores, muito depois de ele ter sido alegadamente contestado pelos mestres da física e astronomia modernas. Bem é melhor não entrarmos no terreno pantanoso do infinito matemático porque perante ele o pensamento encontra-se num ponto limite e o próprio Cantor o reconheceu.
Paulo (divertido) - Ele também preconiza que o ser divino não é providencial nem criador, os seres imperfeitos é que tendem para ele, ele é ordenador. Logo é perfeitamente possível que eles sejam ordenados por diferentes princípios. A preocupação com a exclusividade do primeiro princípio é sobretudo tomista e tua...
Marta (insistente) - O próprio Aristóteles afirma: O mando de muitos não é bom, há apenas um único chefe.
Paulo (trocista) - Sabes melhor do que eu que uma citação isolada, fora de contexto pode ser interpretada de muitas e contraditórias formas, e esta regra aplica-se integralmente ao caso do pensador em questão.
Marta (condescendente) - Quanto a esse aspecto, em particular reconheço que estás certo. De qualquer modo o tema deste nosso debate não será directamente abordado na publicação, até porque se trata de um assunto de natureza mais teológica .
Alexandre (que seguia silenciosa e atentamente o diálogo, resolveu intervir) - Sim. Pela parte que me toca, a minha participação versará fundamentalmente a física aristotélica contraposta à física galilaica. Sendo a primeira apesar de não matematizada, errada e totalmente superada, uma ciência coerente e sistematicamente elaborada, com base nos dados do senso comum. Os factos que a fundamentam são muito elementares e ainda hoje todos consideramos natural observar um corpo pesado cair para baixo.
Paulo ( crítico) - Aliás, a física aristotélica está muito mais próxima do senso comum do que a física de Galileu. Por outro lado, parece-me excessivo declarar que a primeira se encontra completamente ultrapassada. É possível encontrar muitas fontes de investigação na obra do estagirita. As ideias de Aristóteles continuam a influenciar a investigação muito depois de terem sido refutadas pelos cientistas modernos. As concepções aristotélicas reapareceram em biologia, termodinâmica dos sistemas abertos e até nas matemáticas.
A teoria aristotélica do movimento - tendo como consequência que um objecto em movimento não tem extensão precisa e que um objecto precisamente localizado é um objecto em repouso - era mais avançada do que a de Galileu.
Marta ( intrometendo-se) - Não resisto e a propósito da reemergência das teses aristotélicas em biologia, a mencionar Rupert Sheldrake, que em 1981, publicou, A New Science of Life: The Hypotesis of Formative Causation, onde desenvolve a teoria dos campos morfogenéticos e defende que o universo de Aristóteles continha dentro de si factores criativos e determinantes, as formas e características da criação material, a forma é a aparência exterior e a estrutura interna dos seres inorgânicos aos seres vivos. Cada ser desenvolve-se na direcção da sua essência inerente e intrínseca para se tornar completo. O universo é um organismo gigantesco dirigindo-se para a forma perfeita...
Alexandre ( discordante) - Tudo isso é certamente fascinante, mas neste momento estou mais interessado em continuar o debate sobre a física com o Paulo! Guarda o assunto para mais tarde!
A dinâmica aristotélica, apesar da sua perfeição teórica tem um grave inconveniente é absolutamente não plausível... Por exemplo, a concepção segundo a qual cada transmissão de movimento implica um contacto, existindo, segundo ele, apenas dois géneros de transmissão: a pressão e a tracção. No entanto, um fenómeno como o lançamento desmente esta tese...E mesmo os argumentos geniais que ele utiliza para explicar o referido facto são impossíveis. Poderia evocar ainda outros exemplos elucidativos como a negação de todo o vazio e do movimento num vazio.
Paulo (céptico) - O próprio Galileu também vai adaptar, vai moldar, os factos à teoria copernicana, nomeadamente os dados resultantes das observações com o telescópio, até porque os sentidos aplicados em condições anormais são susceptíveis de fornecer respostas anormais ... O modo como Galileu analisou e contrariou o argumento da torre utilizado pelos aristotélicos para refutarem o movimento da Terra, está repleto de elementos ideológicos, ele substituiu uma interpretação por outra diferente, introduziu uma nova linguagem de observação, ele não tinha dados suficientes para comprovar a teoria heliocêntrica
. A interpretação de Galileu retoma os sentidos enquanto instrumentos de exploração, mas restringindo-os à realidade do movimento relativo e também ele vai apresentar inconsistências a este nível .
Deixa-me, ainda, relevar o facto que o modo de proceder de Galileu reduziu drasticamente o conteúdo da dinâmica. A dinâmica aristotélica era uma teoria geral da transformação, abrangendo a locomoção, a mudança qualitativa, a geração e a corrupção, enquanto que a dinâmica de Galileu trata somente da locomoção da matéria, na esperança de que a locomoção incluiria, posteriormente todo o tipo de movimento, passando-se deste modo de uma teoria compreensiva e empírica do movimento para uma explicação experimental especulativa.
Alexandre ( descrente) - Estamos tão familiarizados com os conceitos e princípios da mecânica moderna que sentimos muita dificuldade quando se trata de perceber todos os obstáculos que Galileu e Descartes foram forçados a superar, para os estabelecer. Para um homem de formação aristotélica os conceitos modernos de espaço e movimento são bizarros. Na física de Aristóteles o movimento é um processo de mudança e afecta sempre o corpo em movimento, cada movimento interfere com cada um dos outros impedindo-os, em certas situações de se produzirem enquanto que na moderna o movimento não altera o corpo que se movimenta, porque estar em movimento ou em repouso é-lhe indiferente, não implica mudança. O movimento é uma relação e um estado tal como o repouso o é, tanto um como o outro são estados persistentes e opostos . Todo o movimento é relativo, um corpo só está em movimento quando se encontra em relação com qualquer outro corpo que supomos encontrar-se em repouso. A lei da inércia mostra-nos que um corpo persiste eternamente no seu estado de movimento ou de repouso, sendo necessário recorrer a uma força externa para transformar um estado de movimento em estado de repouso ou o inverso. Ou seja na dinâmica aristotélica a força gera movimento enquanto que na moderna produz aceleração. Por outro lado, a física moderna e a noção de movimento rectilíneo uniforme pressupõem a noção de vazio e requerem a concepção de um universo infinito, princípios totalmente opostos aos da metafísica aristotélica.
Paulo (impaciente) - As estafadas contraposições: universo finito/universo infinito; universo fechado/universo aberto; universo heterogéneo/universo homogéneo, etc ... Aristóteles construiu uma teoria do espaço e do movimento que antecipou algumas propriedades decisivas da mecânica quântica e contornou as dificuldades da interpretação mais difundida e menos sofisticada de um continuum composto por elementos indivisíveis. No meu artigo desenvolverei alguns comentários à teoria da matemática e do contínuo em Aristóteles, o qual se apercebeu da natureza antinómica do infinito matemático afirmando, neste sentido que as considerações acerca do ilimitado levantam uma dificuldade porque se apresentam muitas impossibilidades, tanto se se imagina que ele existe, como se se imagina que não existe..
Alexandre ( contrariado) - Relacionar as teses de Aristóteles com as da mecânica quântica parece-me uma aproximação abusiva. Relativamente ao problema dos números infinitos actuais Cantor vai defender que as razões reunidas por Aristóteles contra o número infinito actual reduzem-se a uma petitio principii, e à premissa de que existem somente números finitos o que Aristóteles deduz do facto de só conhecer numerações de conjuntos finitos.
Paulo (irónico) - Julgo-a tão legítima quanto as aproximações estabelecidas entre Galileu e Platão ou entre Galileu e os atomistas gregos... O que é certo é que a leitura e análise do pensamento genuinamente aristotélico inspirou frutuosamente muitos investigadores, muito depois de ele ter sido alegadamente contestado pelos mestres da física e astronomia modernas. Bem é melhor não entrarmos no terreno pantanoso do infinito matemático porque perante ele o pensamento encontra-se num ponto limite e o próprio Cantor o reconheceu.
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