Aporias (4)
Durante a refeição, no terraço, os cheiros da flora juntaram-se aos das aromáticas iguarias e as referências à arte sucederam-se aos comentários sobre a física.
Paulo - (deliciado) - Apetitosas iguarias se saboreiam aqui. Esta sopa de peixe com pimenta de caiena e poejo é pura ambrósia! Mas, comer não se reduz apenas à saciedade ou à fruição gastronómica do prato. Participar numa refeição com amigos é um ritual, uma comunhão onde se combinam, fundem as dimensões vital, afectiva e estética. As cores, os aromas, as formas dos alimentos e a harmonia resultante do seu conjunto, solicitam as impressões sensíveis e o mesmo é dizer a inclinação estética.
Marta (pensativa) - A tua apreciação fez-me retomar uma questão que me preocupa. Geralmente, privilegiamos a reflexão sobre as dimensões científica, gnoseológica, tecnológica, ético política e até religiosa e esquecemos a dimensão ou o impulso estético. No entanto, sinto-me muitas vezes inclinada a considerá-la dominante...
Paulo (interessado) - Explicita e desenvolve essa inclinação!
Marta ( motivada) - O impulso estético reflecte-se nos actos mais banais e rotineiros, desde o cuidado na apresentação dos alimentos, passando pela decoração do espaço, pelas formas e cores dos objectos de uso diário até à preocupação com a harmonia entre os acessórios e as cores dos fatos, que vamos trajar...
No plano moral, temos o exemplo dos adágios populares onde se encerram normas de conduta, que se revestem de uma certa musicalidade, sendo breves e ritmados para se tornarem mais aliciantes e não serem esquecidos. O sentimento religioso é expresso sob forma estética, os rituais são simbolicamente coloridos e faustosos. Procura-se materializar a transcendência através do belo.
Tomás (intrigado)- Consideras, então a dimensão estética fundamental para a compreensão do ser humano?
Marta - Sim, sim . Mas, a minha análise gerou-se em torno dos aspectos mais elementares, mais gerais e conservadores do sentimento estético. Podemos passar para um segundo nível, mais elaborado: a criação artística, enquanto inovação, criatividade, re-criação, representação do desconhecido, imagem exterior de realidades interiores, fixação, celebração e transfiguração da realidade.
Susana (evocativa) - Rilke, perante o sentimento de eterna despedidatransmitido plas coisas que nos envolvem, sentimento esse numa primeira relexão perturbador, pretendeu dar pernidade àsdespedidas transpondo-as e fixando-as em palavras. Aceitando a transitoriedade inevitável da vida, o poeta encarrega-se de as celebrar. A salvação das coisas transitórias passa por um processo de interiorização através do qual se tornam invisíveis as coisas exteriores. Deste modo o espírito do poeta ultrapassa a morte.
Marta - A arte apresenta algumas afinidades com o mito na medida em que está nela implícita o desejo de superar a monotonia, tornar a realidade mais sugestiva, humanizá-la e ordená-la.
Paulo (questionando) - O que é a arte, o que é nela representado, comunicado, quais as suas funções bem assim como a complexidade intrínseca ao acto criador e o mistério do processo criativo, constituem problemas polémicos e quase insoluveis pois dependem de muitos factores e sobretudo do ponto de vista do sujeito.
Aliás, a questão da criatvidade estende-se a outras àreas, nomeadamente à ciência. Afinal ambas, arte e ciência são empreendimentos criativos, são criações livres da mente humana. As hipóteses científicas pressupôem intuições, imaginação, criatividade no estabelecimento de relações entre os dados da experiência e os conceitos...
Estou a lembrar-me de De Broglie, ao conceber as ondas de matéria, verificadas posterirmente, de Kekulé ao visionar os anéis benzénicos no século passado, confirmados em Agosto de 1988, das intuições antecipadoras, geniais de Einstein e da sua preocupação com a simetria da teoria, entre inúmeros exemplos.
Ambas, arte e ciência, dependem de uma análise combinatória de símbolos.
Tomás (interrompendo, em desacordo) - Devo reconhecer que também os matemáticos exaltam a beleza e a simetria das suas fórmulas que matemática e música apresentam estruturas semelhantes. Contudo, a elaboração das explicações científicas exige uma maior submissão aos elementos observacionais e requer um consenso da comunidade científica, o que não se verifica no campo da arte pois é próprio do objecto artístico ser susceptível de muitas leituras, tantas quantos os observadores. O cientista, contrariamente ao artista serve-se da imaginação mas não do imaginário.
Marta (suplicante) - Francastel defende que é demasiado cedo para elaborar uma teoria de relações entre o sistema das artes e o das ciências ou das linguagens, tal atitude seria precipitada em virtude de a análise dos factos infindáveis que constituem a a actividade instuticional do homem ser muito limitada... E eu preferia continuar a nossa conversa de há pouco, se não for pedir-vos demasiado, seus viciados em assuntos científicos!
Susana (no mesmo tom) - Eu também! E lembrava agora outros poetas: Fernando Pessoa dizia ter-lhe acontecido um poema e Sofia de Mello Breyner, em consonância, afirmava ser a sua maneira de escrever muito próxima deste acontecer. Segundo ela, o poema aparece feito, emerge, dado, como um ditado que ela transcrevesse. O poema emerge e é escutado num equilíbrio especial de atenção, numa tensão especial de concentração. Todo o seu esforço se concentra no sentido de ouvir o poema todo e não apenas um fragmento. É preciso que o poeta deixe o poema dizer-se. O seu trabalho e aplicação não conseguem continuar o poema. Sofia interroga-se acerca da origem do mesmo, respondendo que os Antigos diriam ser a musa a inspiradora de tais composições e os contemporâneos o inconsciente.
Marta (meditativa) - Kafka, tem uma experiência mais dolorosa e direi mesmo mais negra, da criação literária, na medida em que descreveu, o seu processo criativo como uma descida às potências obscuras, ao em baixo, ele escrevia à noite quando a angústia o impedia de dormir e o levava a um mergulho no interior mais recôndito da sua almas .Comparou-o ainda ao que é o delírio para um louco, porque se sentia perseguido a chicotadas nos momentos de exaltação ou seja nos períodos de ansiedade criativa, começando então a escrever.
O acto criador, é simultaneamente angustiante e libertador.
Tomás (conivente) - Já se tem falado de catarse relativamente a Kafka, assim o fazer literário funcionaria como um meio de se purificar das emoções e pensamentos negativos que o assaltavam, ele mesmo, confessou nesse sentido, que escrevia para se curar dos nervos. A catarse,a purgação das emoções provocada pela obra de arte, neste caso situar-se-ia primordialmente ao nível do artista e não tanto, ou então dar-se-ia posteriormente, no espectador como é caracterizada por Aristóteles.
Paulo (clássico) -O mestre de Aristóteles, Platão, no Íon, considera a criação o resultado da possesssão divina, o poeta é inspirado pelo sopro divino. Os poetas dizem coisas belas por um privilégio divino, essa inspiração transcende a técnica uma vez que eles são especialistas apenas numa área, eles são intérpretes dos deuses. Inspirados por um deus que os possui, a alma dos poetas entra em estado de delírio. Ele, descreve ainda o peta como um ser alado, ligeiro e sagrado. No Fedro, ele argumenta a favor destas teses, enunciando provas como aquelas em que defende que possuídos pela loucura, cantam coisas magnifícas e que desaparecida esta, mal sabem entender quase como se não fossem eles que as tivessem proferido ou que não são os homens mais sábios nem os mais cultivados que se tornam os melhores poetas. Se presumirmos que a força que se apodera da alma e a dirige quer para a obra de arte quer para o conhecimento, não é exterior mas é interior e tem a sua génese no próprio indivíduo, estaremos perante a ideia de criatividade à qual aludi quando comparavamos arte e ciência...
Tomás (crítico) - Mas Platão não mostrava muito apreço pelas obras dos artistas e poetas do seu tempo.
Paulo () - Referes-te à diatribe de Platão contra as artes, à sua crítica aos artistas por imitarem os objectos errados, desenvolverem a ilusão e suscitarem as emoções. A crítica de Platão às artes apresenta dois aspectos: para além do seu estatuto de falsidade, no sentido ontológico; pois o seu acesso à realidade é ténue, sendo como são as suas criações, imagens de imagens, por outro lado são perniciosas, porque são responsáveis pela falsidade do discurso- velam o verdadeiro real. Quanto a este aspecto ele, julgava a arte sua contemporânea, que se pretendia realista, AFIRMANDO NESTE SENTIDO QUE AS IMAGENS CONSTRUÍDAS PELOS POETAS DOS DEUSES E DOS HERÓIS NÃO SÃO EXACTAS em virtude de representarem como mau aquilo que é essencialmente bom.
Susana (desejosa de intervir) - No entanto é possível para Platão, a constituição de uma arte positiva, a qual permitiria a formação completa do homem, o seu aperfeiçoamento e essa seria a arte na sua dimensão mais profunda embora acentuadamente subordinada à ética.
Paulo (aprovativo) - Eu diria que se trataria de uma arte com funções moralizantes.
Ele propôs aos amantes da poesia o desafio de lutarem pela sua dama e demonstrarem as suas virtudes e benefícios em prol da humanidade. E, será precisamente Aristóteles, que aceitará o repto e dar a resposta na sua magnífica Poética, onde sustenta a tese da mimese correctora. Para ele a tragédia é a imitação não de homens, mas de acções, da vida , da felicidade, da infelicidade... sendo o fim que se pretende alcançar o resultado de certa maneira de agir, e não de uma maneira de ser. A arte deve engrandecer os homens e a função da tragédia é torná-los melhores do que são na realidade, pois não compete ao poeta narrar exactamente o que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, segundo a verossimilhança ou necessidade. O bom poeta, deve proceder como os bons pintores de retratos, mantendo a semelhança mas melhorando-os, pois o paradigma deve ser de valor superior ao que existe. Assim a mimese implica uma transfiguração do comportamento e de toda a praxis humana, ela é uma transfiguração da realidade, levando à criação de mundos simbólicos que, embora decalcados do real estabelecem novos critérios.
Tomás (rindo) - Na Poética ele diz que o que a arte imita são os carácteres, as emoções eas acções, não o mundo sensível mas o mundo do espírito humano. De todas as artes a mais imitativa, é precisamente a música, e isto quer apenas significar que ela é a mais expressiva, a que com mais sucesso dá corpo à emoção, a que mais efectivamente consegue fazer nascer, enter as outras emoções próximas as sentidas pelo artista. E voltamos a Aristóteles!
Marta (metódica) - Uma vez que o jantar está no fim, tomem um último café, uma derradeira fatia de tarte e podemos dar por terminado o interregno e retomar os trabalhos.
Tomás (dirigindo-se a Paulo) - Vamos antes para o escritório, onde há certamente silêncio e o ambiente é mais propício à reflexão.
Paulo (teatral) - Certamente! Porque aqui só me apetece contemplar o azul da Prússia deste céu polvilhado de estrelas, aspirar os cheiros mediterrânicos desta noite cálida, devanear e mergulhar nas mais voluptuosas sensações!
Tomás (divertido) - Tão poético!
Durante a refeição, no terraço, os cheiros da flora juntaram-se aos das aromáticas iguarias e as referências à arte sucederam-se aos comentários sobre a física.
Paulo - (deliciado) - Apetitosas iguarias se saboreiam aqui. Esta sopa de peixe com pimenta de caiena e poejo é pura ambrósia! Mas, comer não se reduz apenas à saciedade ou à fruição gastronómica do prato. Participar numa refeição com amigos é um ritual, uma comunhão onde se combinam, fundem as dimensões vital, afectiva e estética. As cores, os aromas, as formas dos alimentos e a harmonia resultante do seu conjunto, solicitam as impressões sensíveis e o mesmo é dizer a inclinação estética.
Marta (pensativa) - A tua apreciação fez-me retomar uma questão que me preocupa. Geralmente, privilegiamos a reflexão sobre as dimensões científica, gnoseológica, tecnológica, ético política e até religiosa e esquecemos a dimensão ou o impulso estético. No entanto, sinto-me muitas vezes inclinada a considerá-la dominante...
Paulo (interessado) - Explicita e desenvolve essa inclinação!
Marta ( motivada) - O impulso estético reflecte-se nos actos mais banais e rotineiros, desde o cuidado na apresentação dos alimentos, passando pela decoração do espaço, pelas formas e cores dos objectos de uso diário até à preocupação com a harmonia entre os acessórios e as cores dos fatos, que vamos trajar...
No plano moral, temos o exemplo dos adágios populares onde se encerram normas de conduta, que se revestem de uma certa musicalidade, sendo breves e ritmados para se tornarem mais aliciantes e não serem esquecidos. O sentimento religioso é expresso sob forma estética, os rituais são simbolicamente coloridos e faustosos. Procura-se materializar a transcendência através do belo.
Tomás (intrigado)- Consideras, então a dimensão estética fundamental para a compreensão do ser humano?
Marta - Sim, sim . Mas, a minha análise gerou-se em torno dos aspectos mais elementares, mais gerais e conservadores do sentimento estético. Podemos passar para um segundo nível, mais elaborado: a criação artística, enquanto inovação, criatividade, re-criação, representação do desconhecido, imagem exterior de realidades interiores, fixação, celebração e transfiguração da realidade.
Susana (evocativa) - Rilke, perante o sentimento de eterna despedidatransmitido plas coisas que nos envolvem, sentimento esse numa primeira relexão perturbador, pretendeu dar pernidade àsdespedidas transpondo-as e fixando-as em palavras. Aceitando a transitoriedade inevitável da vida, o poeta encarrega-se de as celebrar. A salvação das coisas transitórias passa por um processo de interiorização através do qual se tornam invisíveis as coisas exteriores. Deste modo o espírito do poeta ultrapassa a morte.
Marta - A arte apresenta algumas afinidades com o mito na medida em que está nela implícita o desejo de superar a monotonia, tornar a realidade mais sugestiva, humanizá-la e ordená-la.
Paulo (questionando) - O que é a arte, o que é nela representado, comunicado, quais as suas funções bem assim como a complexidade intrínseca ao acto criador e o mistério do processo criativo, constituem problemas polémicos e quase insoluveis pois dependem de muitos factores e sobretudo do ponto de vista do sujeito.
Aliás, a questão da criatvidade estende-se a outras àreas, nomeadamente à ciência. Afinal ambas, arte e ciência são empreendimentos criativos, são criações livres da mente humana. As hipóteses científicas pressupôem intuições, imaginação, criatividade no estabelecimento de relações entre os dados da experiência e os conceitos...
Estou a lembrar-me de De Broglie, ao conceber as ondas de matéria, verificadas posterirmente, de Kekulé ao visionar os anéis benzénicos no século passado, confirmados em Agosto de 1988, das intuições antecipadoras, geniais de Einstein e da sua preocupação com a simetria da teoria, entre inúmeros exemplos.
Ambas, arte e ciência, dependem de uma análise combinatória de símbolos.
Tomás (interrompendo, em desacordo) - Devo reconhecer que também os matemáticos exaltam a beleza e a simetria das suas fórmulas que matemática e música apresentam estruturas semelhantes. Contudo, a elaboração das explicações científicas exige uma maior submissão aos elementos observacionais e requer um consenso da comunidade científica, o que não se verifica no campo da arte pois é próprio do objecto artístico ser susceptível de muitas leituras, tantas quantos os observadores. O cientista, contrariamente ao artista serve-se da imaginação mas não do imaginário.
Marta (suplicante) - Francastel defende que é demasiado cedo para elaborar uma teoria de relações entre o sistema das artes e o das ciências ou das linguagens, tal atitude seria precipitada em virtude de a análise dos factos infindáveis que constituem a a actividade instuticional do homem ser muito limitada... E eu preferia continuar a nossa conversa de há pouco, se não for pedir-vos demasiado, seus viciados em assuntos científicos!
Susana (no mesmo tom) - Eu também! E lembrava agora outros poetas: Fernando Pessoa dizia ter-lhe acontecido um poema e Sofia de Mello Breyner, em consonância, afirmava ser a sua maneira de escrever muito próxima deste acontecer. Segundo ela, o poema aparece feito, emerge, dado, como um ditado que ela transcrevesse. O poema emerge e é escutado num equilíbrio especial de atenção, numa tensão especial de concentração. Todo o seu esforço se concentra no sentido de ouvir o poema todo e não apenas um fragmento. É preciso que o poeta deixe o poema dizer-se. O seu trabalho e aplicação não conseguem continuar o poema. Sofia interroga-se acerca da origem do mesmo, respondendo que os Antigos diriam ser a musa a inspiradora de tais composições e os contemporâneos o inconsciente.
Marta (meditativa) - Kafka, tem uma experiência mais dolorosa e direi mesmo mais negra, da criação literária, na medida em que descreveu, o seu processo criativo como uma descida às potências obscuras, ao em baixo, ele escrevia à noite quando a angústia o impedia de dormir e o levava a um mergulho no interior mais recôndito da sua almas .Comparou-o ainda ao que é o delírio para um louco, porque se sentia perseguido a chicotadas nos momentos de exaltação ou seja nos períodos de ansiedade criativa, começando então a escrever.
O acto criador, é simultaneamente angustiante e libertador.
Tomás (conivente) - Já se tem falado de catarse relativamente a Kafka, assim o fazer literário funcionaria como um meio de se purificar das emoções e pensamentos negativos que o assaltavam, ele mesmo, confessou nesse sentido, que escrevia para se curar dos nervos. A catarse,a purgação das emoções provocada pela obra de arte, neste caso situar-se-ia primordialmente ao nível do artista e não tanto, ou então dar-se-ia posteriormente, no espectador como é caracterizada por Aristóteles.
Paulo (clássico) -O mestre de Aristóteles, Platão, no Íon, considera a criação o resultado da possesssão divina, o poeta é inspirado pelo sopro divino. Os poetas dizem coisas belas por um privilégio divino, essa inspiração transcende a técnica uma vez que eles são especialistas apenas numa área, eles são intérpretes dos deuses. Inspirados por um deus que os possui, a alma dos poetas entra em estado de delírio. Ele, descreve ainda o peta como um ser alado, ligeiro e sagrado. No Fedro, ele argumenta a favor destas teses, enunciando provas como aquelas em que defende que possuídos pela loucura, cantam coisas magnifícas e que desaparecida esta, mal sabem entender quase como se não fossem eles que as tivessem proferido ou que não são os homens mais sábios nem os mais cultivados que se tornam os melhores poetas. Se presumirmos que a força que se apodera da alma e a dirige quer para a obra de arte quer para o conhecimento, não é exterior mas é interior e tem a sua génese no próprio indivíduo, estaremos perante a ideia de criatividade à qual aludi quando comparavamos arte e ciência...
Tomás (crítico) - Mas Platão não mostrava muito apreço pelas obras dos artistas e poetas do seu tempo.
Paulo () - Referes-te à diatribe de Platão contra as artes, à sua crítica aos artistas por imitarem os objectos errados, desenvolverem a ilusão e suscitarem as emoções. A crítica de Platão às artes apresenta dois aspectos: para além do seu estatuto de falsidade, no sentido ontológico; pois o seu acesso à realidade é ténue, sendo como são as suas criações, imagens de imagens, por outro lado são perniciosas, porque são responsáveis pela falsidade do discurso- velam o verdadeiro real. Quanto a este aspecto ele, julgava a arte sua contemporânea, que se pretendia realista, AFIRMANDO NESTE SENTIDO QUE AS IMAGENS CONSTRUÍDAS PELOS POETAS DOS DEUSES E DOS HERÓIS NÃO SÃO EXACTAS em virtude de representarem como mau aquilo que é essencialmente bom.
Susana (desejosa de intervir) - No entanto é possível para Platão, a constituição de uma arte positiva, a qual permitiria a formação completa do homem, o seu aperfeiçoamento e essa seria a arte na sua dimensão mais profunda embora acentuadamente subordinada à ética.
Paulo (aprovativo) - Eu diria que se trataria de uma arte com funções moralizantes.
Ele propôs aos amantes da poesia o desafio de lutarem pela sua dama e demonstrarem as suas virtudes e benefícios em prol da humanidade. E, será precisamente Aristóteles, que aceitará o repto e dar a resposta na sua magnífica Poética, onde sustenta a tese da mimese correctora. Para ele a tragédia é a imitação não de homens, mas de acções, da vida , da felicidade, da infelicidade... sendo o fim que se pretende alcançar o resultado de certa maneira de agir, e não de uma maneira de ser. A arte deve engrandecer os homens e a função da tragédia é torná-los melhores do que são na realidade, pois não compete ao poeta narrar exactamente o que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, segundo a verossimilhança ou necessidade. O bom poeta, deve proceder como os bons pintores de retratos, mantendo a semelhança mas melhorando-os, pois o paradigma deve ser de valor superior ao que existe. Assim a mimese implica uma transfiguração do comportamento e de toda a praxis humana, ela é uma transfiguração da realidade, levando à criação de mundos simbólicos que, embora decalcados do real estabelecem novos critérios.
Tomás (rindo) - Na Poética ele diz que o que a arte imita são os carácteres, as emoções eas acções, não o mundo sensível mas o mundo do espírito humano. De todas as artes a mais imitativa, é precisamente a música, e isto quer apenas significar que ela é a mais expressiva, a que com mais sucesso dá corpo à emoção, a que mais efectivamente consegue fazer nascer, enter as outras emoções próximas as sentidas pelo artista. E voltamos a Aristóteles!
Marta (metódica) - Uma vez que o jantar está no fim, tomem um último café, uma derradeira fatia de tarte e podemos dar por terminado o interregno e retomar os trabalhos.
Tomás (dirigindo-se a Paulo) - Vamos antes para o escritório, onde há certamente silêncio e o ambiente é mais propício à reflexão.
Paulo (teatral) - Certamente! Porque aqui só me apetece contemplar o azul da Prússia deste céu polvilhado de estrelas, aspirar os cheiros mediterrânicos desta noite cálida, devanear e mergulhar nas mais voluptuosas sensações!
Tomás (divertido) - Tão poético!
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