Confidências e desabafos de Savarin (81)

Lawrence Durrell na cozinha com um chinês


Voltámos triunfalmente para casa para partilharmos o nosso almoço francês e prepararmos a refeição da noite. Chang passou revista à minha colecção de facas e achou-a insuficiente. Na verdade, algumas não cortavam nada e depois, perguntava, onde é que havia uma tábua em condições? Por fim lá arranjei uma tábua em madeira de oliveira, que ele achou razoável, e a faca melhor, e deitou mãos à obra achando por bem limpar e arranjar os legumes com a máxima economia, aproveitando o mais pequeno pedaço de folha e casca. Compreendi então que, como ele dizia, toda e qualquer coisa é comestível, desde que cortada em quantidades suficientemente pequenas. Deu-me parte do material e mostrou-me o que fazer, falando com certa gravidade da maneira como a cozinha chinesa segue os processos mais simples. Até aos dentes é poupado o trabalho, por a comida ser cortada em bocados tão pequenos. Em comparação com todos os apetrechos de cozinha usados pelo ocidental - facas, garfos, e por aí fora -, o chinês só utiliza dois pauzinhos fáceis de substituir e uma tigela pequena. Uma faca bem afiada e uma tábua, eis o que é necessário. Jurei envergonhado que ia mandar afiar todas as facas o mais depressa possível. Esta hábil e jovem presença chinesa dava à cozinha uma nota de exotismo, e eu prometi a mim próprio uns dias cheios de discussão e enriquecimento intelectual - à maneira taoísta.

Lawrence Durrell, Um Sorriso nos Olhos da Alma, (Lisboa, Quetzal Editores, 1990), pp.18-19

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