Relat?rio do Entardecer

O céu transfigurou-se ao fim deste dia cor de Quaresma despedindo-se num impulso de azul e brilho.

Poemas ao crepúsculo, de Rilke


1.

É ainda dia no terraço.
Sinto uma alegria nova:
se mergulhasse a mão na tarde
poderia espalhar, em cada viela,
oiro do meu silêncio.

Estou agora tão longe do mundo!
Com seu brilho da tarde, orlo
a minha solidão grave.

É como se alguém viesse
devagar roubar-me o nome
tão manso, que nem vergonha
sinto, e sei; já o não preciso.

2.

Desce, mansa hora seral,
que fluis de longes solenes.
Eu te acolho, eu sou a taça
que te recolhe e prende e nada verte.

Sossega e clarifica-te em mim,
hora ampla, suave e diluída.
O que no meu fundo se formou
revela-mo, que eu não sei o que foi.


3.

A tardinha é o meu livro. As suas capas
luzem de púrpuro damasco;
solto-lhe os fechos dourados
com mãos frias e sem pressa,

e leio a primeira página,
feliz do tom confiado, _
leio, mais baixo, a segunda, a terceira é já sonhada.

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Reflexos

O sol derrama-se sobre os dragões do serviço de chá, no tabuleiro em frente à janela.
A porcelana flameja num arrebatamento de brilho alvo/azul/ocre.
Fixo o poente e penso na imagem que contemplo, um fenómeno, um simulacro do sol, estrela incandescente, a uma tão remota distância, que nunca poderei conhecer, apenas imaginar. A coisa em si continuará eternamente em si?
Entretanto, a imagem irisada do serviço de chá desvaneceu-se, perdeu o brilho, embaciou.
A festa de luz abandonou a sala, escoa-se na penumbra.

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