2.3.1. Uma Leitura de Kafka — Ambivalência do Estatuto da Arte

Uma Leitura de Kafka — Ambivalência do Estatuto da Arte

Preâmbulo

De acordo com Danillo Nunes no livro “Kafka, Vida Heróica de um Anti-Herói,” a obra de KAFKA representa muito mais do que um mero produto da crise cultural do final do século XIX, como o pensou Marthe Robert. Está para além, não do bem e do mal, mas da encruzilhada de fim do século. Constituiu uma figura tão original e independente no contexto das correntes literárias, que se torna extremamente difícil descrevê-lo em termos de tendências gerais da literatura mundial. É lícito, afirmar que não se teria inspirado directamente em nenhuma teoria literária ou artística pré-existente na época em que se iniciou na escrita. Produziu os seus textos de acordo com uma teoria própria de Literatura.

KAFKA terá mergulhado nas dimensões mais profundas da existência para conhecer a fragilidade das palavras. Um discurso desta índole não se oferece imediatamente, na sua totalidade ao nível da textualização, oculta-se. A sua dialéctica remete-nos para o contraste entre o mostrar-se, o despojar-se da palavra, da expressão e o "esconder-se" do silêncio. A.CAMUS, comentando a obra de KAFKA, na generalidade, relevou a necessidade intrínseca indispensável de múltiplas leituras para uma apreensão global — dadas as várias possibilidades de interpretação — do sentido, ou sentidos da obra, é preciso reler para abranger e alcançar todos os "caminhos" para que nos aponta a obra. Todavia, seria errado cair no preciosismo de tudo querer "descodificar", decifrar:

"Toda a arte de KAFKA consiste em obrigar o leitor a reler os seus desfechos — ou as suas ausências de desfecho — sugerem explicações que vão transparecendo claramente, exigem que a história seja lida sob um novo ângulo para adquirirem fundamento. Há por vezes uma dupla ou uma tríplice possibilidade de interpretação, daí a necessidade de duas ou três leituras Mas faríamos mal em tudo querer interpretar na obra de KAFKA até ao pormenor. Um símbolo é sempre no geral, e o artista dá-lhe uma tradução à letra, o movimento é restituído. E para o "resto" temos de deixar ao acaso a sua parte, que é grande em todo o criador". Camus, Primeiros Cadernos, (Lisboa, Livros do Brasil, s/d).
O poder da ambiguidade, a força alegórica da parábola, rompem os limites do discurso quotidiano manifestando a linguagem poética. O "entrançado" semântico próprio de KAFKA deve a sua inconfundível fisionomia estilística a uma "fórmula" criadora que a um só tempo equilibra e ultrapassa tempo narrado tempo narrativo, ambiência natural e discurso poético. Situando a tensão estrutural entre o nível do empírico e o nível da simbolização e figuração, impulsiona deste modo um "mecanismo" de movimentação a partir do qual transforma ou instaura a "realidade". Opera uma mutação transfiguradora do referencial semântico e encarnação da força própria da alegoria, tornando nítida a vulnerabilidade dos sistemas fechados, deixando transparecer a derrocada da Ordem convencional. Assim, de forma subreptícia, transparece denunciadora e silenciosamente, a alienação do Homem mediante a fabulação. Nas suas fábulas, verifica-se a inversão do modelo tradicional, substituiu o homem por instrumentos, por aparelhos, caso de A Colónia Penal, (Lisboa, Apartado 44, 1982), por animais "Investigações de um Cão"(A Grande Muralha da China, Lisboa, Publicações Europa-América, 1976), “Josefina a Cantora ou o Povo dos Ratos"(In Histórias com Tempo e Lugar, Lisboa, Publicações Europa-América) “O Novo Advogado" in A Metamorfose, (Lisboa, Publicações Europa-América, 1975) ou transformando o homem A Metamorfose ou substituindo-o por objectos: Blumfield, um Solteirão" mantendo neles a condição humana. O movimento de Coisificação acontece mediante uma dialéctica de identidade e de diferença.




Comentários

Mensagens populares