Pourquoi ...
Quando leio certos textos, que deveriam pautar-se pelo rigor, e verifico que evidenciam a vontade de classificar, de encaixar os fenómenos, dentro de determinadas categorias, com a vã pretensão de tudo explicar e controlar, penso de imediato na crítica de Nietzsche, ao afirmar que muitas teorias não passam de meras designações vazias de sentido, muletas ilusórias, expressões da vontade de domínio, segundo a sua terminologia.
Vem isto a propósito de um livro que estou a ler. Apesar do seu brilhantismo enquanto psicanalista e historiadora, ao divulgar e analisar textos fundamentais, mas esquecidos, a autora cedeu à tentação de interpretar um artigo de Ruth Brunswick de acordo com o paradigma lacaniano. Por outro lado, omite as discordâncias entre Freud e Karen Horney.
O livro procura reconstituir o período entre 1920 e 1933, quando a comunidade psicanalítica debatia as teorias de Freud acerca do desenvolvimento feminino. Relendo os textos de Freud e dos seus pares, Hamon traça as interacções entre os diferentes estudos.
Marie-Christine Hamon expõe os diálogos subreptícios, integra os diferentes contributos no pensamento de Freud quer os relegados para segundo plno, quer alguns dos que foram objecto da desaprovação de Freud. Revela, ainda, o poder da influência de Freud e as tensões com o seu círculo.
No entanto, Hamon interpreta os artigos da autoria de Freud e dos seus associados através do crivo da abordagem de Lacan.
As suas perspectivas sobre os trabalhos de H. W. van Ophuijsen, Jeanne Lampl–de
Groot, August Starcke, Karl Abraham, Helene Deutsch, Melanie Klein, e de Ruth Mack Brunswick estão subjugados ao seu interesse em delinear a evolução de Freud na direcção do conceito lacaniano de "castração da mãe".
Hamon cita o artigo de Karen Horney 1924, todavia não refere a discordância de Horney quanto ao falocentrismo da teoria de Freud. Trata-se, segundo Paula Bernstein, de uma omissão crucial, na medida em que é legítimo argumentar que os artigos de Freud, publicados em 1923, 1924, e 1925 foram inspirados pela comunicação de Horney em 1922,intitulada “On the Genesis of the Castration Complex in Women”. “The Flight from Womanhood” (1926) foi a réplica de Horney a Freud. Freud declarou, explicitamente, o seu desacordo em 1931. “The Denial of the Vagina” e “The Dread of Woman” foram objecto de acessos debates entre os textos de Freud de 1931 e 1932–1933.
Concordo, em grande parte, com a crítica de Paula P. Bernstein, Psychoanalysts Past, 295-299, quando afirma:
But even by 1926, Horney was casting off Freud’s language and speaking of
the girl’s female genital anxieties, of reasons for the little girl’s penis envy, of regression to the masculinity complex in the face of oedipal conflicts, and of the awe of motherhood in boys and girls. Hamon curtly dismisses Horney as “insisting upon misunderstanding Freud,” without critiquing her formulations.
For Hamon, Brunswick’s case material “puts an end to all the challenges” to Freud’s phallocentric conceptualization of femininity(p. 214). For me the case highlights the girl’s exploration through masturbation of vulva and vagina. The patient had been seduced at three and again at five by a sister ten years older than she. Thereafter the lonely child, who lost both her mother and sister, was drawn to repeat with playmate and pets her penetration of the “quivering vagina.” The guilt ridden repressed experiences were recovered through transference dreams. It seems to me that Brunswick’s interpretation that the little girl assumed a penis beneath the pubic hair she observed on her sister functioned as the “inexact interpretation” that led to her confession of the early initiation into vaginal penetration, active and passive, early sexual experiences felt to be powerful and gratifying, but dangerous and bad(see Frenkel 1996). Clearly the patient is preoccupied with images of sexual intercourse and with competition with the males for her sister’s company—on the one hand identifying with her sister and on the other wishing to posses her. But Hamon always uses the word castration for vaginal penetration or female genital injury. In her schema, Brunswick invites us to think “in a new way” about the relation between the girl’s dependence on the mother and her avoidance of recognition of the mother’s castration, leading us beyond Freud to Lacan.
(...)
Hamon is a gifted scholar and historian. Missing from the certitude she conveys is any sense of foment alive today in Lacan’s circle. Numerous papers in the current literature (many by female analysts) explore the limitations imposed on what we hear when phallic terms and con-cepts appropriate to male experience are misapplied to women. Why is it that the Lacanian women analysts are not at the forefront of the
current interest in replacing phallocentric language with terms that structure female experience?
Esta última questão também se pode aplicar, com igual propriedade, ao livro da psicanalista brasileira Malvine Zalcberg, A Relação Mãe Filha, (Rio de Janeiro, Campus, 2003).
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