Mozart segundo Marguerite Yourcenar

A Sinfonia Júpiter é um certificado da ordem do mundo tal como Goethe poderia tê-lo sonhado: acreditamos nessas ordem divina até a música cessar.
Porém, o homem que a compôs estava minado pela doença, atormentado pela pobreza; tinha os seus rivais e os seus detractores. Precisamente aí, reside o mistério da sua arte: essa música de felicidade, equilibrada como um funâmbulo sobre o abismo que, no fundo, é toda a vida, não é uma fuga para fora do real; nem tão-pouco o equivalente de um belo sonho; não faz vibrar em nós, como a de Schubert, as fibras mais delicadas e melhor escondidas; não nos embala como a música de Chopin, para melhor nos consolar; não nos ajuda a viver como a de Beethoven, devolvendo-nos a coragem que não tínhamos. É muito simplesmente música: ordenamento perfeito de um universo de som.


Marguerite Yourcenar, "Mozart em Salzburgo", in Peregrino e Estrangeiro, (Lisboa, Livros do Brasil, 1990), pp.88-89.

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