Da Religião (2) Recensão

Recensão de um artigo,muito esclarecedor, que li na altura em que a IURD estava na ordem do dia dos meios de comunicação social, porque apresentava programas de divulgação na SIC e pretendia comprar o Coliseu do Porto, após ter aquirido o cinema Império em Lisboa.

Pedro Ari Oro (1992) “Réligions Pentecôtistes et moyens de communication de masses au Brésil”. Social Compass 3:425-429.


Oro analisa a utilização crescente dos meios de comunicação de massas, sobretudo da rádio e da televisão por parte das igrejas pentecostistas brasileiras, centrando o seu estudo na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e na Igreja Evangélica Pentecostista.
Inicia o artigo caracterizando e definindo as categorias teóricas onde se integram estas igrejas, servindo-se para isso da classificação de Oliveira Cardoso sobre as igrejas electrónicas no contexto brasileiro.
O artigo pode ser dividido em duas partes fundamentais. Na primeira o autor situa as seitas aludindo às suas origens, fundação, projecção internacional, número de templos e sessões rituais diárias. Neste sentido descreve a sequência de uma reunião da IURD, apontando três momentos constitutivos:

1. Sessão de exorcismo dos demónios, identificados com os orixás das religiões afro-brasileiras ( Macumba, Umbanda e Candomblé).
2. Curas.
3. Entrega de donativos.

Menciona ainda a realização dos grandes rituais em estádios e ginásios, os quais reproduzem e ampliam os momentos fundamentais das sessões quotidianas, analisa a concepção e a utilização dos media. Passa seguidamente para a caracterização do público alvo das seitas, concluindo que o mesmo é composto por indivíduos pertencentes na sua grande maioria às camadas mais baixas da sociedade, que vivem em condições infra-humanas. Excepcionalmente, também se encontram alguns adeptos recrutados na classe média baixa.
Na parte, que classifiquei como sendo a segunda, o autor demonstra as suas teses (resultantes da aplicação de um inquérito), dissecando os sentidos da utilização dos meios de comunicação de massas pelas igrejas “tele-evangélicas”.
A análise distribui-se por uma breve introdução - onde afirma que os pregadores e os fiéis das igrejas estudadas atribuem múltiplos sentidos ao uso dos media, consoante a sua identidade social e confessional - e, por seis alíneas, cada uma subordinada a um parâmetro:
a) - Sentido económico -
Segundo Oro a manipulação pentecostista dos media integra-se no contexto capitalista, funcionando as igrejas como empresas que usam os media enquanto meio de angariar fundos, uma vez que durante as emissões, os pregadores anunciam aos fiéis as somas elevadas dispendidas na produção e difusão dos programas, relevando a impossibilidade de assegurar a continuidade das emissões sem o contributos regulares dos crentes. É evidente que estas técnicas produzem resultados, que associadas a outras formas de obtenção de fundos, tais como a venda de objectos religiosos, permitem angariar dinheiro não só para manter as igrejas mas também para potenciar a sua expansão.
b) - Sentido ideológico -
Os pregadores, através dos seus discursos divulgam ideologias conservadoras.
A explicação transcendente dada aos factos sociais, psíquicos e políticos opera--se pelo deslocamento do centro dos problemas do campo social para o campo espiritual, e da sociedade para o indivíduo pecador. Os responsáveis pelas diversas crises são os demónios (alienação). O sentido ideológico das pregações dos pastores manifesta-se ainda na manipulação em proveito próprio das preocupações mais profundas do povo brasileiro: saúde, dinheiro e vida sentimental.
c) - Sentido terapêutico -
As carências do sistema de saúde brasileiro propiciam a aceitação de curas mágicas e de mensagens do tipo das veiculadas pela IURD, segundo as quais a cura do corpo implica a cura da alma. Estas ocorrem não só durante as reuniões, mas também quando os fiéis assistem ao programas radiofónicos e televisivos “imbuídos” de profunda fé. Pastores e fiéis repetem que as curas são diárias e constituem a prova da eficácia das práticas rituais.
d) - Sentido prosélito -
Os media tornaram-se um excelente veículo de proselitismo através dos constantes apelos à participação, da repetida indicação do endereço dos templos e da obsessiva auto-propaganda ( 46% dos fiéis da IURD inquiridos confirma que a adesão à mesma foi desencadeada pela assistência aos programas radiofónicos e televisivos divulgados pelos meios de comunicação). A dinâmica dos rituais, as relações sociais e emotivas estabelecidas com os “neófitos” são igualmente factores fundamentais. No dizer de um pastor da IURD o que “é preciso é fazê-los entrar, uma vez dentro não saem mais”.
e) -Sentido de legitimação e estatuto social -
A construção de uma imagem de credibilidade que destrua a falta de consistência teórica e a pobreza teológica e moral das seitas, assenta no uso da comunicação social e no recurso a figuras públicas.
f) - Sentido de vitalidade -
As ideias de força, dinamismo, alegria, solidariedade entre outras publicitadas pelos programas televisivos e radiofónicos das seitas contrastam com a apatia e a monotonia do quotidiano e das soluções oferecidas por outros movimentos religiosos ou não. Tal contraste fomenta a adesão e perpetua a dependência.
No que concerne à metodologia deduz-se ter Oro recorrido aos seguintes métodos e técnicas:
1. Pesquisa bibliográfica específica.
2. Análise de conteúdo dos programas televisivos e radiofónicos produzidos pelas seitas.
3. Observação dos rituais ordinários (sessões diárias) e extraordinários (ajuntamentos de fé em grandes espaços), não sendo explícitas as técnicas de observação.
4. Aplicação de um inquérito (ver indicação de percentagens.)
5. Entrevistas aos fiéis, pastores e proprietários de rádios.
A articulação entre a metodologia utilizada e o tema revela-se adequada, oferecendo ao leitor novos dados para a compreensão do fenómeno da utilização dos meios de comunicação pelas seitas habitualmente designadas por “tele-evangelistas”. Por outro lado, transparece na análise do problema uma excessiva carga ideológica, reduzindo o seu campo de análise, ignorando outras dimensões do fenómeno fundamentais para sua explicação.

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