Da Religião (1)

“ DESDE QUE OS HOMENS DEIXARAM DE ACREDITAR EM DEUS, ISSO NÃO SIGNIFICA QUE JÁ NÃO ACREDITEM EM NADA, ACREDITAM EM TUDO”
CHESTERTON


É FREQUENTE ENCONTRAR PESSOAS QUE EM 1968 QUERIAM MUDAR A SOCIEDADE E QUE HOJE MILITAM EM GRUPOS NEO-BUDISTAS, SEITAS CARISMÁTICAS, CENÁCULOS NEO-TRADICIONALISTAS.”

UMBERTO ECO

A escolha de textos sobre o fenómeno religioso insere-se na problemática do retorno ao sagrado na sociedade contemporânea, temática bastante divulgada nos meios de comunicação nas últimas décadas e analisada mais profundamente em trabalhos de cariz científico resultantes de observação e pesquisa mais rigorosas.
“ O retorno ao religioso é uma das poucas certezas tenazmente inscrita neste fim do milénio. Fenómeno ambíguo e de contornos imprecisos, de todo o mundo chegam sinais ineludíveis da sua presença” (Wemans 1990/12/2: Público).
Tornou-se um lugar comum apregoar o regresso aos templos simultaneamente como um meio de atribuir sentido a um quotidiano mecanizado, monótono e desencantado e de resolver - de um modo mágico e eficaz - as crises económicas, sociais, psicológicas e todas as outras que por aí pululam, não solucionadas pela tecnocracia para desespero de quase todos. As igrejas e as seitas oferecem a salvação, a certeza, a explicação para todos os males, “satisfazendo” os anseios mais profundos e necessidades emocionais como seja a amizade, a solidariedade, a segurança, o desejo de vida comunitária e obediência a normas.
” O último produto vital comercializado pelos cultos é significado. Cada culto tem a sua própria e simples versão da realidade - religiosa, política ou cultural. O culto possui a única verdade e os que vivem no mundo exterior e não reconhecem o valor dessa verdade são representados com mal informados ou satânicos. A mensagem do culto é martelada no novo membro em sessões que duram todo o dia e toda a noite.(...) Ao dar ao membro o sentimento de que a realidade tem significado - e que ele ou ela devem levar esse significado a pessoas do exterior - , o culto oferece objectivo e coerência num mundo aparentemente incoerente”( Toffler 1980: 372 ).
Embora a dialéctica sagrado/profano, secularização/ressacralização revista actualmente um cariz específico, é de desconfiar de pregões desta natureza tão empolados. Com efeito a religiosidade manteve-se latente na nossa sociedade, facto que uma breve leitura da História das Religiões comprovará, mostrando a ocorrência cíclica de momentos de secularização e a explosão de surtos de intensa religiosidade e misticismo - caso dos movimentos milenaristas. (ver M. I. Pereira de Queiroz,(1968) “Reforme et Revolution dans les Sociétés Traditionnelles. Histoire et Ethnologie des Mouvements Messianiques”, Paris, Anthropos e R. Bastide (1961) “Messianisme e Développement Économique et Social”, Cahiers Internactionaux de Sociologie)
É de salientar contudo que o processo de secularização que decorre do século XIX até à actualidade (e com raízes nos três séculos anteriores) se revela mais profundo em virtude dos novos contributos resultantes da evolução das ciências naturais e concomitantemente da tecnologia, da emancipação das ciências humanas, das análises marxista, nietzscheana e psicanalítica, da sociedade na sua globalidade e dos fenómenos religiosos em particular. Análises que se mantêm pertinentes em muitos aspectos.(Ver as obras de Nietzsche: “O Anti-Cristo”, “Para Além do Bem e do Mal”)

Deve relevar-se que a compacidade do fenómeno religioso o torna sociologicamente impenetrável, no sentido em que o adepto não o pode observar e o observador não deve aderir; Henri Roches, a propósito deste dilema defende a existência de dois pólos na sociologia religiosa - a) distanciada sem participação autêntica, ela torna-se a sociologia do polícia; b) participativa sem um genuíno distanciamento, torna-se a sociologia da quadrilha. Ao adepto é-lhe oferecida a possibilidade de uma participação óptima, ao outsider a segurança do distanciamento. Mas o adepto deve zelar pela metodologia do seu distanciamento e o outsider pela metodologia da sua participação. (Roches, 1984: 17/19). Este dilema concretiza-se na desconfiança por parte dos membros da seita, quando questionados e que os leva a fornecer informações falsas, a ocultar outras, ou então a proferir afirmações do género: “ só quem vivencia o sagrado o pode compreender”; “só aderindo se conhece”.
Por último, a análise social põe em jogo diferentes perspectivas sobre os mesmos fenómenos, opondo pelo menos dois tipos de subjectividade, o do investigador e o dos interpelados (efeito Rachomon).

Comentários

Mensagens populares