Da Morte (2)

Confesso que a morte me fascina, embora certos modos de morrer me atemorizem, não o vou negar. Mas, desde que li, ou ouvi dizer que um ser humano quando é atacado por um urso, por exemplo, liberta endomorfinas e deixa de sentir a dor...
A propósito, o primeiro e o último sonetos, da apologia à morte da autoria de Antero de Quental:

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Com se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.


Não que de larvas me povoe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo...

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro em mim terror de Deus ou Sorte...

Nada! o fundo de um poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

VI

Só quem teme o Não-Ser é que se assusta
Com teu vasto silêncio mortuário,
Noite sem fim, espaço solitário,
Noite da Morte, tenebrosa e augusta...

Eu não: minh'alma humilde mas robusta
Entra crente em teu átrio funerário:
Para os mais és um vácuo cinerário,
A mim sorri-me a tua face adusta.


A mim seduz-me a paz santa e inefável
E o silêncio sem par do Inalterável,
Que o envolve o eterno amor no eterno luto.

Talvez seja pecado procurar-te,
Mas não sonhar contigo e adorar-te,
Não-Ser, que és o Ser único absoluto.

Antero de Quental, Sonetos, (Lisboa, Editores Reunidos, 1994), pp. 151 e 156

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