Da Morte 18
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Encaro a morte como a dissolução no todo, logo como um estado de fusão na natureza. Daí que a morte em si mesma me pareça um estado desejável de eterno vazio. Afinal, mesmo para quem não acredita no divino, a morte não é o fim definitivo, é apenas mais uma metamorfose.
A maior parte das religiões fez da morte um instrumento de persuasão através do temor - o célebre argumentum ad terrorem - o que contribuiu para criar uma imagem aterradora de um fenómeno tão natural quanto o nascimento. E sabemos quão complexo e difícil é o nascimento de uma criança.
Os modos de morrer, esses sim, podem ser assustadores. Concordo em parte com as "Musas Esqueléticas", não "aceito" a morte dos outros, em particular a morte de quem se ama, ou de quem se espera muito, ou ainda, de quem é sujeito a formas de morte violentas e indignas.
A estética do processo de putrefacção também suscita náusea, mas os processos de decomposição são intrínsecos à vida.
Também gosto muito do poema do Ruy Belo:
Um dia não muito longe não muito perto
Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?
"Um dia não muito longe não muito perto", Outono, in Homem de Palavra[s]
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