O Brilho do Olhar


(...)enquanto o pobre jovem se lançava aos meus pés, eu rígida, impassível, olhava-me ao espelho. Examinava o meu rosto para tentar encontrar uma ruga. A minha fronte, em que brincavam os caracóis dos cabelos, é lisa e delicada como a de uma criança; dos lados das minhas narinas amplas, por cima dos meus lábios um tanto carnudos e róseos não se vê nem uma prega. Nunca descobri um fio branco entre os longos cabelos que, soltos, me caem em belas ondas brilhantes, mais negros que a tinta, por sobre os meus ombros brancos.
Trinta e nove anos! Tremo ao escrever este número horrível.

(...) Se não fosse, por um lado, a febre das recordações vivas, e por outro, o medo da velhice, eu deveria ser uma mulher feliz. (...)
Com vinte anos, naturalmente, era mais bela. Não é que os traços do meu rosto tenham mudado, ou que o meu corpo esteja menos esbelto e suave; mas nos meus olhos havia uma chama que agora está a esmorecer. O negro das minhas pupilas, se o olhar bem, parece-me menos intenso. Dizem que o limite supremo da filosofia é conhecer-se a si próprio: eu estudo-me com tal intensidade há tantos anos, hora a hora, minuto a minuto, que creio conhecer-me a fundo, a ponto de me poder proclamar uma filósofa perfeita.


Camillo Boito (1836-1914), Senso - O Caderno Secreto da Condessa Lívia, (Lisboa, Quetzal Editores, 1988), pp. 17 e 20.

Uma novela impressionista, de uma displicente amoralidade, que apesar da sua originalidade narrativa, elegância formal e bom gosto estilístico, foi ignorada durante anos, de 1883, data da sua primeira edição, até 1954, quando Luchino Visconti adaptou a obra ao cinema.

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