Da Voluptuosidade (8)


Será a Voluptuosidade uma Arte?

(...) a conversa deslizou, não sei como, para a voluptuosidade na arte.
E então a americana bizarra logo protestou:
- Acho que não devem discutir o papel da voluptuosidade na arte porque, meus amigos, a voluptuosidade é uma arte - e, talvez, a mais bela de todas. p.66
Porém, até hoje, raros a cultivaram nesse espírito. Venham cá, digam-me: fremir em espasmos de aurora, em êxtases de chama, ruivos de ânsia - não será um prazer bem mais arrepiado, bem mais intenso do que o vago calafrio de beleza que nos pode proporcionar uma tela genial, um poema de bronze? Sem dúvida, acreditem-me. Entretanto o que é necessário é saber vibrar esses espasmos, saber provocá-los. E eis o que ninguém sabe; eis no que ninguém pensa. Assim, para todos, os prazeres dos sentidos são a luxúria, e se resumem em amplexos brutais, em beijos húmidos, em carícias repugnantes, viscosas. Ah! mas aquele que fosse um grande artista e que, para matéria-prima, tomasse a voluptuosidade, que obras irreais de admiráveis não altearia!… Tinha o fogo, a luz, o ar, a água, e os sons, as cores, os aromas, os narcóticos e as sedas - tantos sensualismos novos ainda não explorados… Como eu me orgulharia de ser esse artista!… E sonho uma grande festa no meu palácio encantado, em que os maravilhasse de volúpia… em que fizesse descer sobre vós os arrepios misteriosos das luzes, dos fogos multicolores - e que a vossa carne, então, sentisse enfim o fogo e a luz, os perfumes e os sons, penetrando-a a dimaná-los, a esvaí-los, a matá-los!… Pois nunca atentaram na estranha voluptuosidade do fogo, na perversidade da água, nos requintes viciosos da luz?.. Eu confesso-lhes que sinto uma verdadeira excitação sexual - mas de desejos espiritualizados de beleza - ao mergulhar as minhas pernas todas nuas na água de um regato, ao contemplar um braseiro incandescente, ao deixar o meu corpo iluminar-se de torrentes eléctricas, luminosas… Meus amigos, creiam-me, não passam de uns bárbaros, por mais requintados, por mais complicados e artistas que presumam aparentar!

Passado um mês Lúcio foi convidado a ir a uma festa na casa da americana. Encontrou-se com Gervásio que lhe apresentou o conhecido poeta que Lúcio tanto admirava: Ricardo Loureiro. A americana recebeu-os e tudo era sumptuoso e deslumbrante - a sala, as luzes e até as cores da sua túnica enlouqueciam. E antes da meia-noite - a americana disse:
Depois da ceia, é o espectáculo - o meu Triunfo! Quis condensar nele as minhas ideias sobre a voluptuosidade-arte. Luzes, corpos, aromas, o fogo e a água - tudo se reunirá numa orgia de carne espiritualizada em ouro!



Mário de Sá Carneiro, A Confissão de Lúcio, (Lisboa, Ática, 1945), pp. 66 e 72

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