Algumas Notas a Propósito da Privação Sensorial

1. Um mundo de cores, cheiros, dores, sabores, sons e texturas ...

Os sentidos constituem os principais intermediários entre as necessidades internas do indivíduo e o ambiente. Assim sendo, qualquer privação sensorial irá reflectir-se no equilíbrio emocional do ser humano, embora essa repercussão varie de acordo com as características de cada pessoa, e não se manifeste de forma sistemática.

A privação sensorial pode provocar estados alterados de consciência: alucinações, psicose passageira e distúrbios mentais temporários. Esta situação verificou-se, por exemplo, nos casos de indivíduos condenados a longos períodos em solitárias, sendo este o castigo mais temido até mesmo pelos reclusos mais resistentes. O isolamento total constitui uma das formas mais eficazes de tortura, para obter confissões.

De acordo com Eric Berne*, a privação emocional e sensorial poderá produzir modificações no organismo, se parte do "sistema reticular" não for suficientemente estimulado, as células novas poderão degenerar-se. A partir destes dados observacionais, o referido autor estabeleceu uma relação biológica entre a privação afectiva e sensorial e as consequentes alterações degenerativas. Berne comparou a ausência de estímulos ou de relacionamento com a fome, no respeitante à sobrevivência do organismo.

Segundo Berne o "estímulo" deve ser entendido como a "unidade básica da interacção social" (Berne, 1977, p. 19). "Uma troca do estímulos constitui uma transacção, que por sua vez é a unidade básica do relacionamento social" (Berne, ibidem). No que concerne aos Jogos Psicológicos, Berne defendeu que "qualquer relacionamento social representa uma vantagem sobre a ausência de relacionamento" (Berne, ibidem). Berne fundamentou esta tese nas experiências de S. Levine com ratos, através das quais se observaram alterações favoráveis no desenvolvimento físico e químico do cérebro pela estimulação do contacto físico. Concluiu-se que quer os estímulos delicados , quer os dolorosos foram igualmente eficientes, mantendo a saúde dos animais, ao contrário da sua ausência que provocaria consequências negativas.

2. O Tanque de Privação Sensorial

Durante a Guerra Fria, em 1954, o neurologista John Lilly pesquisava no Instituto Nacional de Saúde Mental , perto de Washington. Na época, as técnicas de lavagem cerebral russas e coreanas despertavam grande receio. Neste sentido, Lilly decidiu fazer de si próprio objecto de uma experiência de "privação sensorial". Mergulhou num tanque com água, a 34 graus celcius , à prova de som e gravidade, onde flutuou, na escuridão, durante longas as horas - esta experiência foi registada no filme "Alterated States" - , as versões posteriores deste aparelho foram designadas por "tanque de privação sensorial." Todavia, Lilly discordou da designação, segundo o investigador, em lugar de privação, teria ocorrido um novo tipo de sensações resultantes da ausência de estimulação externa. No entender de John Lilly o cérebro teria processado informação interna.
O neurologista descreveu, então, a ocorrência de estados semelhantes à catalepsia, de experiências místicas, de uma sensação de estar sintonizado com redes de comunicação fora do alcance da consciência comum, e até mesmo de experiências que podem ser consideradas alucinatórias. É evidente que quando se recebe um mínimo absoluto de estímulos externos, a pessoa é submetida a uma torrente de experiências que se situam num nível muito diferente da rotina quotidiana. Logo, o indivíduo saudável não sucumbiria à homeostase, num equilíbrio passivo.

3. Privação Sensorial e Experiências Místicas

Também há quem se sujeite à privação sensorial, precisamente, com o objectivo de desencadear vivências místicas.

*Criador da análise transacional.

Eric Berne, Os Jogos da Vida, (Rio de Janeiro, Editora Artenova S.A., 1977).
Eric Berne, Sexo e Amor, (Rio de Janeiro, José Olympio Editora,1988).

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