Confidências e Desabafos de Savarin (65)



Ostras: uma hipotética entrada para a ceia de Natal.

No fim de um dia, que já lá vai, deliciei-me com umas belas ostras, na esplanada de um restaurante da Manta Rota. Como vou voltar ao lugar do crime, lembrei-me de escrever sobre ostras...

Em França as ostras constituem uma entrada típica num jantar ou numa ceia de Natal.

A propósito da degustação das ostras, "não resisto à tentação de transcrever" um saboroso trecho de Egas Moniz da sua obra Confidências de um Investigador Científico:

[Henri Babinski * em Gastronomie Pratique] Depois de se referir às ostras portuguesas, mais anunciadas em França do que em Portugal, e que não passam afinal de um Gryphus angulata, não sendo, por isso, uma ostra propriamente dita, das da elevada estirpe de Belon, Marennes ou Ostende, ocupa-se da forma como devem ser saboreadas, problema de complicada solução delicada técnica.

"Só no momento de serem comidas, escreve, Ali-Bab [pseudónimode Henri Babinski]. As boas ostras mostram-se gordas e carnosas. Os amadores devem verificar, uma por uma, se estão bem vivas. Para isso, diz Henri Babinski, é indispensável explorar-lhes os reflexos, sinal objectivo que nunca induz em erro. Basta tocar o bordo das suas lamelas, que se retraem se o animal está vivo."

(...) Como tenho o volume diante dos meus olhos, não resisto à tentação de transcrever a parte que se segue, em que a ostra é venerada:
Puis enlevez-la délicatement de sa coquille, portez-la immédiatement à la bouche, toue nue, sans aucun accompagnement et aussitôt, d'un coup de dent, percez-lui le fois. Si le sujet répond à ce que vous êtes en droit d'attendre de lui, vos gencives doivent baigner dedans tout entière et vôtre bouche doit être inondée de jus.

Restez un instant dans cette situation, puis avalez lentement le jus et achevez la mastication et la déglution du mollusque. Tonifiez-vous alors avec une gorgée de bon vin blanc sec, mangez de pain blanc ou noir, beurré ou non, pour neutraliser les papilles de la langue et être en état d'apprécier intégralement l'huitre vivante.

Aí fica exposto o ritual, para uso do apreciador da boa ostra. Entre nós, as chamadas ostras portuguesas, hoje melhoradas de qualidade, mas não acrescentadas de espécies mais valiosas, não merecem, ao menos para mim, bárbaro mastigador de grífeas, as sugestões acima expostas. Aprecio-as muito despretenciosamente com sal, pimenta e algum limão, como desde rapaz vi praticar. Que me perdoe a heresia a memória do velho amigo com quem muita vez caturrei em assuntos desta natureza.


Egas Moniz, Confidências de um Investigador Científico, (Lisboa, Edições Ática, 1949), pp.72-73

*Henri Babinski era irmão do célebre neurologiata, amigo de Egas Moniz, Joseph Babinski .

Comentários

Mensagens populares