Duas vias para a compreensão do pensamento hermenêutico: Heidegger e Paul Ricoeur

III - A Destruição da Metafísica (4)

Para uma melhor compreensão desta questão do cogito consideramos esclarecedor inserir aqui uma síntese do texto de P.Ricoeur extraído do "Conflito das Interpretações", acerca deste problema. Ricoeur realizou uma crítica da crítica heideggariana. O filósofo francês afirmou, que a força da antologia realizada por Heidegger, colocou o fundamento de uma hermenêutica do "eu sou", a qual procederia da refutação do Cogito - concebido como simples princípio epistemológico - designando uma "faixa" de ser que deveria estar sob o Cogito. Ricoeur, referiu aqui que em vista da compreensão da relação complexa existente entre o cogito e a hermenêutica do "eu sou", ele remeteu esta problemática, à concepção de destruição da história da metafísica, por um lado e por outro lado procedeu à repetição e recolecção do desenho, do esboço ontológico inscrito no "Cogito" o qual havia sido olvidado na formulação de Descartes.
Primeiramente, Ricoeur referiu a Introdução feita por Heidegger ao"Sein und Zeit" - a questão do esquecimento do ser -.Com Heidegger, segundo Ricoeur, passar-se-ia de uma filosofia que partiria do Cogito como primeira verdade, para uma Filosofia que partiria do Ser como questão esquecida a qual estaria presente no Cogito.
Seria o liame primordial que se estabeleceria entre a questão do ser e a emergência do "Da-sein", na interrogação mesma do questionante, que tornaria possível ao mesmo tempo a destruição do cogito, enquanto primeira verdade, e a sua restituição ao plano ontológico sob a forma de "eu sou".
O problema do ser, sobreviria como uma questão, e o que teria sido esquecido
não teria sido apenas o ser como também a própria questão do ser.
A questão enquanto tal, implicaria a delimitação, a delineação da prioridade da situação e da asserção do "eu" enquanto Cogito.
A objecção ao Cogito cartesiano, consistiria muito precisamente no facto de que este repousaria sobre um modelo prévio de certeza pelo qual se me de e satisfaz.
O que seria importante na questão seria o facto de ser regulada pela coisa questionada, ou seja em função da qual a questão teria sido posta.
Toda a pergunta constitui uma procura. Toda a procura, tem acerca daquilo que é procurado, uma direcção prévia... Toda a questão tem enquanto tal, um objecto acerca do qual ela indaga:"aquilo que é perguntado..."


Ricoeur, descobriu em Heidegger uma nova Filosofia do Ego, no sentido em que o "ego" autêntico, ou seja aquele mesmo que questiona, seria constituído pela pergunta. Todavia, este "ego" não seria mais o centro, uma vez que a questão do ser e a significação do ser, seriam o centro esquecido que deveria ser restaurado pela Filosofia. Na "reposição" do "Ego" seria preciso considerar o esquecimento da questão enquanto questão, mas também o nascimento do "Ego" como questionante.
Este "Ego" implícito na questão, não e posto como seguro de si próprio. É visionado como sendo ele mesmo um ser, o ser através do qual a questão do ser acontece, ganha consistência.

"Visar, entender, compreender, escolher, aceder, são determinações constitutivas de toda a questão e por aí os modos de ser de um ente deter minado, deste ente que nós, que questionámos somos nós-mesmos".

É como "eu sou" e não como "eu penso" que eu estou implicado no "inquérito". A compreensão do ser e ela mesma uma determinação do ser-aí (Da-sein). A questão do sentido do ser reenviaria em último lugar e antes do mais ao sujeito ele-mesmo, como modo de ser de um ego possível. Esta relação conteria não só a contestação da Filosofia do Cogito, mas também a sua restituição ao seu campo ontológico, na medida em que o problema último de Descartes, o mais profundo e radical não seria o "eu penso", mas o "eu sou", como o atestaria o prosseguimento das proposições que da existência do ego, procedem as da existência de Deus, da existência do mundo.
Acerca de "Holzeweg" mais própriamente do texto "L'Époque des conceptions du Monde", Ricoeur demonstrou-nos que a crítica de Heidegger ao Cogito, seria mais uma crítica da Metafísica que lhe está subjacente do que do próprio "Cogito". Crítica do existente como representação.
A certeza absoluta do "Cogito" teria impedido Descartes de pôr o problema acerca do sentido do ser deste ente. Todavia, perguntou Ricoeur, em que sentido a busca da certeza pertence ao esquecimento do ser?

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