Do conceito de mimesis (4)


Cézanne concebeu a arte da pintura como a arte de conferir aos dados imediatos da experiência permanência e solidez. Em vez de apreender a superfície trémula das aparências e efeitos momentâneos da luz e do movimento procurou revelar uma realidade permanente, sentir a natureza na sua eternidade e acabou por atingir uma espécie de geometrização dos objectos. A natureza, afirmava, pode concentrar-se no cilindro, na esfera e no cone. Perante este processo e a tentativa de dar sentido "sólido" e real às sensações face ao mundo dos fenómenos naturais, vislumbra-se, embora surepticiamente insinuada, a intenção mimética do autor.
Por sua vez Picasso descobriu que o cilindro, a esfera e o cone eram em si mesmos objectos satisfatórios e que partindo desses elementos poderia construir um desenho que fosse ao encontro da sugestão puramente estética inerente a qualquer forma de pintura.
Em toda uma série de naturezas mortas efectuadas entre 1907-1908 nota-se uma gradual simplificação das formas tendendo para uma geometrização quase total. O processo culminaria no quadro por demais célebre, "Les Demoiselles d'Avignon" em que a mesma técnica foi aplicada à forma humana. Verificar-se-ia uma dupla mimesis, em primeiro lugar na apreensão dos objectos tal como lhe são dados, uma segunda mimesis ocorreria quando extraía dos objectos as suas coordenadas geométricas, coordenadas essas que seriam esquemas do próprio Picasso e submeteria os objectos a um crivo geométrico previamente determinado.
Picasso afirmou, que não compreendia a importância conferida à palavra "procura" na pintura moderna. A pintura, em seu entender, nada teria a ver com procurar, mas com encontrar:
"Entre os muitos pecados de que me acusam nenhum é mais injustificado do que aquele que diz que o elemento mais importante na minha obra é o espírito de procura. Quando pinto é para indicar o que encontrei e não o que procuro."
Na última fase da sua obra o artista libertou completamente a sua sensibilidade, pintou num arrebatamento. O que lhe interessava seria ser fiel ao que lhe era dado.
Os últimos quadros de Picasso diferem das abstracções no sentido em que têm a sua origem na observação directa da natureza. Representam na acepção mais clássica. Esta representação materializava-se numa forma feminina extremamente distorcida, em cabeças incompreensivelmente fundidas ou deslocadas, formas volumosas em que se conseguem discernir uma boca esticada, um olho fechado. Imagens rítmicas, vagas, universos povoados com figuras grotescas e monstruosas. Picasso pintava num estado de arrebatamento de quem projectava a realidade visual de um mundo onírico.
Obras cujas imagens atraem, obsessivamente e alucinam o espectador. Ramos com folhas, vasos com fruta, guitarras, ossos complexos, formas de feto e de pesadelo, formas vitais.
Este tipo de arte não pode ser racionalmente explicado sem recorrer a uma teoria da origem inconsciente da imagem. Abstraindo considerações estéticas pontuais, o valor deste tipo de arte depende do significado da imagem que aflora à superfície e é transferida para a tela. A força deste género de arte residiria numa mimesis dos arquétipos do inconsciente colectivo de acordo com a concepção de Jung.
Há concepções estéticas que advogam a construção de novas realidades, afirmando neste sentido que a obra de arte não é sequer determinada por conceitos vagos, tais como a harmonia universal ou o inconsciente colectivo, mas que constitui um acto de criação quase no sentido divino do termo. Ora, o artista deverá utilizar elementos de forma e cor que serão comuns a todas as artes e seguirá um esquema que tentará plasmar.
Acresce que a originalidade poderá ser temática, estrutural, conceptual, todavia nunca se dará ao nível sensorial. Há novas formas de pensar, agir, novos modos de estimular os sentidos, contudo a sensação, propriamente dita não é transformável, a percepção nunca é pura, está informada pela cultura, podendo apenas ser enriquecida ou aperfeiçoada.

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