Do conceito de mimesis (3)

Mesmo os movimentos artísticos que atribuem maior importância ao conflito, ao contraste e à dissonância, devem criar uma estrutura orgânica coerente chamada obra de arte. Uma tal estrutura implica uma existência autónoma, ou seja, um estar em rivalidade com o real. Todavia, e contrariamente ao que certos pensadores estruturalistas pareciam pretender, convém não esquecer que esta autonomia do sinal artístico é apenas relativa. A relatividade da existência autónoma do sinal artístico deriva da existência de ligações inteligíveis entre o conteúdo desse sinal e a realidade.
Também se considera essa relatividade quanto à natureza social da obra de arte no que concerne aos factores: origem e função da mesma.
Numa arte naturalista ou impressionista, facilmente reconheceremos a função mimética aí implícita. Quanto ao expressionismo também se aceitará uma mimesis da emoção, nomeadamente, em Van Gogh o qual, como referimos num texto aqui editado, pretendia expressar o mais fielmente possível o carácter do seu modelo, bem assim como a estima que o pintor sentia pelo retratado. Ainda Van Gogh queria exprimir a sua percepção da paisagem. Não se observa uma reprodução exacta do real, mas uma tradução, uma representação plástica do modo como se vê, como se sente aquilo que se vê, enfim uma transfiguração.
Em torno do expressionismo, juntaram-se nomes como Edvard Munch,Ernst Kirchner, Emil Nolde, etc. todos adeptos de uma pintura realizada de "dentro para fora." No entanto, tal perspectiva não implicava uma recusa da natureza, mas apenas uma inversão na ordem dos factores. Em lugar de "pintar de fora para dentro" , a partir das impressões produzidas no espírito do artista pela contemplação da realidade , o pintor deveria, agora moldar essa realidade ao que ele sentia, exprimir a sua interioridade, a sua visão do real. Se não pretendia suprimir a natureza, conforme já salientava Ernst Ludwig Kirchner "Cada um dos quadros que crio tem a sua origem numa experiência da natureza", o pintor expressionista considerava-a apenas, entretanto, como uma motivação mediata da sua obra. Acrescentava Kirchner: "A observação do movimento desperta-me um sentimento exagerado de viver que é a origem da obra de arte. Um corpo que se encontra em movimento mostra-me muitas perspectivas isoladas, e estas fundem-se em mim numa forma total, no quadro interior. Portanto, não é correcto julgar os meus quadros com os padrões da fidelidade à natureza, posto que não são reproduções de determinadas coisas ou seres, mas sim organismos independentes formados por linhas, superfícies e cores, somente conservam das formas naturais o que seja necessário, como chave, para sua compreensão os meus quadros são símbolos, não reproduções."
Existirá uma arte que seja imitação dos valores transcendentes, das próprias ideias? A resposta é positiva e essa espécie de arte insere-se na fase da arte dita abstracta − melhor seria designá-la de não figurativa. Uma concepção de arte que se ocupa, de um modo totalmente não representativo das relações harmónicas de linhas, formas e cores, é uma arte que imita e muito, elementos bem definidas e reais.
Aqui não há expressionismo, não há ?lirismo?, não há simbolismo, contudo, existe algo tão exacto e representativo como um diagrama matemático. Os matemáticos, defendem que algumas das suas fórmulas são indiscutivelmente belas, qual é então a diferença entre representação plástica de umas dessas fórmulas belas e a pintura dita ?abstracta??
A arte abstracta que alguns consideram como sendo a mais estranha e exclusivamente ?moderna? de todas as formas de arte é, no entanto tão velha como essa ?Arte? que escuta os elementos da forma e do número estruturadores do universo.
Na linha dos pressupostos apresentados, seguir-se-á uma breve análise factual dos modos como essa função mimética se teria manifestado através da referência à obra e teoria de artistas representativos.

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