História da Filosofia Moderna

As Objecções de Hobbes a Descartes (7)


Na 6ª objecção, bem assim como na 11ª e 12ª objecções Hobbes abordou o tema da vontade. Neste sentido, contestou a tese cartesiana sobre a vontade, uma vez que para Descartes a sensação, a imaginação e o entendimento eram consideradas formas de pensar. Em seu entender, a vontade, as afecções não deveriam ser consideradas como pensamentos. O receio, por exemplo, só poderá ser considerado pensamento, em relação à imagem da coisa receada., o mesmo se dirá quanto à vontade, ao querer, o movimento de fuga não se identifica com o pensamento.
Nas 7ªe 9ª objecções, Hobbes retomou a questão da definição de ideia. Evidencia-se, assim, a sua perspectiva materialista ao afirmar que não temos a ideia de alma, nem de substância em nós. Tais noções seriam coligidas pela razão. A consciência de mim próprio formar-se-ia olhando o corpo, pois não tenho imagens da alma. Todavia, a razão indica-me que existe algo encerrado no corpo humano pelo qual ele sente e se move. A este movimento vital denominamos alma, segundo Hobbes.
De acordo com o autor de Leviathan, existiria apenas um nível de realidade, por assim dizer. Não há coisas mais coisas do que outras, nem com maior grau de realidade do que outras. A substância e os seus acidentes teriam a mesma realidade, formariam uma só realidade.
A criação revelaria uma certa ordem, a de um mundo de singularidades radicalmente diversas e indivisas. Substância e corpo identificar-se-iam. O corpo deixar-se-ia penetrar pela análise. Será corpo tudo aquilo que for susceptível de análise seja ou não divisível, no sentido primeiro da palavra, espacialmente indecomponível, mas num sentido mais profundo e complexo tudo seria divisível na medida em que manifestaria o conjunto das concepções formadoras do seu conceito, podendo, assim , constituir o objecto de uma teoria.
Quanto à 8ª objecção, Hobbes prosseguiu creditando a experiência sensível, o valor da experiência. Adivinha-se, aqui, a influência de Bacon no que concerne ao aspecto experimental , à observação empírica. No entanto, Hobbes superou Bacon, ao estabelecer o estudo analítico, garantindo, deste modo, a passagem da observação à lei, mostrando as relações dos fenómenos com as condições que os definem e não simplesmente, como acontecia em Bacon, anotando e classificando as puras coincidências.
Na 14ª objecção Hobbes refutou a tese das ideias inatas declarando que não há ideias inatas, a ideia de triângulo, por exemplo, provem da experiência, não está em mim. A ideia de triângulo seria coligida pela razão mediante a experiência.
As ideias da astronomia construir-se-iam através da observação sensorial dos fenómenos. O senso comum julga o sol minúsculo, mas a investigação e a observação científicas com os instrumentos adequados, permite ao homem atingir o conhecimento da realidade dos fenómenos, embora apenas parcialmente, pois não se esgota o fenómeno. Os enunciados racionais serão considerados válidos na medida em que expressarem sinificativamente a realidade. O mesmo é dizer que os conceitos, os universais sem o suporte concreto serão vazios pois constituir-se-iam como meras significações abstractas. Hobbes advogou a perspectiva nominalista ao preconizar que o universal não existiria nas coisas, nem no espírito. Relacionada com esta temática encontra-se também o problema dos critérios de verdadeiro e falso, tratado na 12ª e 13ª objecções.
Descartes respondeu que considerava a vontade uma capacidade mais vasta do que o entendimento, sendo este mais limitado. O erro derivaria, precisamente, da referida diferenciação. Ao conhcer clara e distintamente o objecto que se me apresente eu seria levado a reconhecê-lo. De acordo com Descartes, aprovariamos tudo quanto se nos afigura claro e distinto, mediante a vontade.
Hobbes, por seu turno, relevou o sentido objectivo da verdade, distinguindo-a das condições objectivas da sua aquisição. Conhecer clara e distintamente é, em seu entender, uma classificação metafórica, imprópria de uma argumentação lógica, afirmou em tom de censura. A revisão de um significado com o seu suporte verbal, é uma denominação, os universais, os conceitos e consequentemente, de certo modo, a própria verdade terão apenas esse modo de existência. A verdade era entendida por Hobbes como adequação, estabeleceria relações de coerência entre as significações. Equivaleria ao encadeamento lógico dos conceitos e neste ponto se revela o convencionalismo de Hobbes.
Na última parte da 14ª objecção Hobbes identificou, como já se referiu, essência com existência. Ser é existir. A essência seria apenas uma fantasia do espírito. Em oposição Descartes afirmou o primado da essência. A essência seria algo que transcenderia a própria existência, seria mesmo o fundamento da existência.
E com este comentário final á 14ª objecção concluimos que Hobbes e Descartes representam duas paralelas, ou seja dois modos de experiência original, duas vias diversas de reflexão quanto à apreensão e teorização da realidade. Ou na terminologia de Gerald Holton os dois filósofos seguiram motivações temáticas antagónicas, embora tivessem reflectido sobre as mesmas problemáticas.

Bibliografia

René Descartes, Oeuvres et Lettres, (Paris, Gallimard, 1978).

Hobbes, A Natureza Humana, (Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1983)

As objecções de Hobbes e outros pensadores estão incluídas nas Oeuvres



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