Breves apontamentos sobre grandes questões das neurociências (2)


As teorias sobre a etiologia da doença mental adaptaram-se às concepções acerca do funcionamento do cérebro dominantes em cada época. As causas eram procuradas, ora num dano orgânico difuso ou localizado do cérebro, ora na disfunção dinâmica dos circuitos cerebrais, ou na descrição dos mecanismos da transmissão sináptica.
A busca de uma lesão cerebral ainda que invisível, orientou a investigação de diferentes alienistas dos finais do século XIX, como Étienne Esquirol (1772-1840), Moreau de Tours (1804-1884), Morel (1809-1873), Valentin Magnan (1835-1916), e respondeu a imperativos de carácter científico e social. O critério biológico forneceu um modelo da doença mental que conferia um papel social ao psiquiatra, pois representava uma precaução positivista e materialista comum às outras áreas médicas e, simultaneamente, uma justificação clínica de protecção do alienado e da sociedade contra a alienação.
A procura da origem biológica do espírito encontrou a sua expressão mais marcada na ideia de transmissão genética dos estados mentais mórbidos, ou seja, na teoria da degenerescência. Temas como o organicismo e a identidade cérebro/mente encontravam-se na origem das investigações, quer dos defensores da tese das localizações cerebrais, quer dos holistas.
A teoria das localizações cerebrais de Gall e de Broca era admitida mas relegada para o domínio das funções sensoriais e motoras. Para alguns autores seus contemporâneos, a sede das funções psíquicas superiores residia na globalidade da superfície cerebral. Contudo, a observação dos efeitos antagónicos decorrentes das experiências de ablação dos lobos anteriores e posteriores em cães, efectuadas por Goltz, conduziram ao aprofundamento das pesquisas experimentais sobre as funções dos lobos frontais no animal e no homem. As investigações com animais realizadas de Hitzig a Jacobsen e Fulton, bem assim como a análise dos casos clínicos de lesões frontais efectuada sobretudo a partir da I Guerra Mundial, originaram grandes polémicas sobre o papel da região frontal no comportamento. Era evidente que as lesões frontais provocavam graves alterações da personalidade, mas não havia consenso quanto à sua patogenia. A questão girava em torno de saber qual o défice, emocional, intelectual ou mnésico que melhor poderia explicar o conjunto dos sinais observados. O problema em debate era o da primazia de um elemento sobre os outros e não o da conjugação de diferentes factores. Jean Lhermitte, em 1929, preconizou a primazia das perturbações emocionais. Brickner, em 1934, referiu-se ao papel das perturbações intelectuais, no estudo de um doente operado por Dandy e, finalmente Kurt Goldstein (1878-1965), nos anos 40, defendeu que nas lesões frontais se poderiam verificar três tipos de perturbações, intelectuais, emocionais e mnésicas. Actualmente, em virtude de uma caracterização mais completa da topografia das lesões, sabe-se que as lesões da região dorso-lateral dos lobos frontais provocam os chamados défices intelectuais, enquanto as lesões da zona ventro-mediana originam perturbações emocionais.
Durante muito tempo, considerou-se que os lobos frontais eram um centro de elaboração e controlo da actividade mental. A constatação de que depois da ablação ou da lesão frontais se verificava a coexistência de perturbações intelectuais e afectivas, seguida de uma modificação radical de atitudes — animais violentos tornavam-se dóceis, homens responsáveis deixavam de o ser e jovens melancólicos passavam a ter espírito galhofeiro — fez surgir a ideia de intervir no seu funcionamento com o objectivo de alterar a actividade mental perturbada.

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