Breves apontamentos sobre grandes questões das neurociências (1)

A História das Neurosciências estruturou-se em torno de três grandes debates temáticos:
• Mente vs. cérebro (monismo/dualismo): serão a mente (cognição/comportamento) e o cérebro (substância física) entidades distintas (dualismo) ou unidas (monismo)?
• Localismo vs. holismo: terão os neurónios e as áreas do cérebro funções específicas (localismo) ou indiferenciadas funcionando como um campo (holismo)?
• Natureza da comunicação neural: será a mente totalmente "criada" pelo cérebro? A consciência poderá reduzir-se a neurónios? Haverá uma alma para além dos neurónios? Estas questões continuam a ser debatidas, e constituindo John Eccles (1903-1997) e Francis Crick (n.1916), exemplos da permanência destas polémicas.
O estudo científico do cérebro e das suas relações com os comportamentos complexos começa com Franz Gall (1758-1828) nos alvores do século XIX. Posteriormente, os estudos anatómicos de Broca (1824-1880), em 1861, e de Wernicke em 1874, sobre a afasia despertaram em muitos cientistas a convicção de que o cérebro era o centro das capacidades intelectuais e a causa potencial dos distúrbios mentais. A partir dos finais do século XIX até à Segunda Guerra Mundial, cientistas como Theodor Meynert, (1833-1898), Liepmann, Oppenheim, Charcot, Sergei Korsakoff (1853-1911), Babinski, Janet, Freud, Hughlings Jackson (1835-1900), Bleuler, Kraepelin, Bonhoffer e Alzheimer (1864-1915), entre outros, estavam empenhados na investigação das disfunções mentais. Todos eram considerados neuropsiquiatras interessados igualmente no estudo da neurologia e da psiquiatria. A neuropatologia nasceu dos esforços, primeiramente efectuados na Alemanha, para correlacionar as mudanças na estrutura do cérebro com as doenças mentais. Iniciou-se também a procura de meios técnicos mais eficazes e abrangentes do que a dissecação, que permitissem a visualização das áreas cerebrais e a consequente localização das diferentes funções.
Durante os anos trinta, muitos dos sintomas neurológicos foram clinicamente definidos e as suas bases neuropatológicas identificadas. Os exames neurológicos elementares foram redefinidos: testes diagnóstico como a análise CSF (análise do líquor ou líquido cefalorraquidiano) e instrumentos como o EEG (electroencefalograma) estavam na ordem do dia. Todavia, estes desenvolvimentos serviram para reforçar a dicotomia mente/cérebro. Enquanto os neurologistas preconizavam que as disfunções do sistema nervoso cujas etiologias estavam estabelecidas e demonstradas pela anatomia patológica constituíam a base das desordens mentais, muitos psiquiatras estavam persuadidos que não havia patologia visível para tais desordens, defendendo a origem funcional e ideopática da doença mental.
Com o crescimento e difusão da análise freudiana, a dicotomia orgânico versus funcional ganhou força e contribuiu para aumentar o fosso entre a neurologia e a psiquiatria. A maioria dos psiquiatras abandonou a biologia e medicina experimentais e orientou as suas investigações segundo coordenadas tendencialmente psicanalíticas e sociais. O estudo do cérebro enquanto orgão da cognição e do comportamento era por eles considerado irrelevante.
No entanto, um pequeno grupo de psiquiatras resistiu à tese baseada na dicotomia mente/cérebro e contestou a perspectiva acima referida. Este pequeno grupo de psiquiatras biológicos estabeleceu as bases científicas da neuroanatomia química, da neurotransmissão e da psicofarmacologia. Os agentes terapêuticos para as desordens psicóticas e afectivas começaram a ser utilizados em 1950.


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