Ausência e Comunicação
A minha ausência deveu-se a motivos técnicos e existenciais. Causas técnicas: o meu computador pifou. Motivações existenciais: actividades bem mais interessantes.
Para compensar os meus parcos leitores, transcrevo um texto de Paul Ricoeur sobre a comunicação. Para mais tarde, prometo a saga dos corações solitários no video clube.
Para o linguista, a comunicação é um facto e mesmo até o mais óbvio. As pessoas, efectivamente, falam umas às outras. Mas, para uma investigação existencial, a comunicação é um enigma e até mesmo um milagre. Porquê? Porque o estar junto, enquanto condição existencial da possibilidade de qualquer estrutura dialógica do discurso, surge como um modo de ultrapassar ou de superar a solidão fundamental de cada ser humano. Por solidão não quero indicar o facto de, muitas vezes, nos sentirmos isolados como numa multidão, ou de vivermos e morrermos sós, mas num sentido mais radical, de que o que é experienciado por uma pessoa não se pode transferir totalmente como tal e tal experiência para mais ninguém. A minha experiência não pode tornar-se directamente a vossa experiência. Um acontecimento que pertence a uma corrente de consciência não pode transferir-se como tal para outra corrente de consciência. E, no entanto, se algo passa de mim para vocês, algo se transfere de uma esfera de vida para outra. Este algo não e a experiência enquanto experienciada, mas a sua significação. Eis o milagre. A experiência experenciada, como vivida, permanece privada, mas o seu sentido, a sua significação torna-se pública. A comunicação é deste modo, a superação da radical não comunicabilidade da experiência vivida enquanto vivida.
Paul Ricoeur, Teoria da Interpreta??o, (Porto Editora, 1995), p.66.
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