Existenciais: A Fadiga
O tema da fadiga é recorrente em Kafka, trata-se, aliás, de uma coordenada crucial, elucidativa da situação vivencial do ser humano. A fadiga exaure as forças dos seres, vencendo a sua vontade. No Processo, Joseph K. no auge da sua luta contra o absurdo, ao tentar localizar, materializar e caracterizar a terrível acusação de que é vítima, acaba por atingir a saturação, e em determinado momento desiste de compreender o que lhe explicam, demasiado cansado para prever todas as consequências da sua história.
Na narrativa A Toca, o ser que de um modo febril e obstinado constroi um labirinto para sua protecção, às vezes no desespero do seu cansaço físico quer abandonar tudo.
O cansaço tudo sujeita à erosão, como se pode concluir da leitura do desfecho da última lenda de Prometeu:
Prometheus
There are four legends concerning Prometheus:
According to the first he was clamped to a rock in the Caucasus for betraying the secrets of the gods to men, and the gods sent eagles to feed on his liver, which was perpetually renewed.
According to the second Prometheus, goaded by the pain of the tearing beaks, pressed himself deeper and deeper into the rock until he became one with it.
According to the third his treachery was forgotten in the course of thousands of years, forgotten by the gods, the eagles, forgotten by himself.
According to the fourth everyone grew weary of the meaningless affair. The gods grew weary, the eagles grew weary, the wound closed wearily.
There remained the inexplicable mass of rock. The legend tried to explain the inexplicable. As it came out of a substratum of truth it had in turn to end in the inexplicable. Kafka
Translated by Willa and Edwin Muir Copyright © 1971, Schocken Books.
Franz Kafka
Lendas
De Prometeu contam-se quatro lendas:
Pela primeira – por ter ele traído os Deuses junto aos homens, foi ele posto a ferros numa penedia do Cáucaso e lá os Deuses mandavam águias a fazer de pasto o seu fígado sempre renovado.
Pela segunda – atormentado pelos bicos que o laceravam, Prometeu foi encolhendo-se cada vez mais de encontro ao rochedo até formar com ele uma coisa única.
Pela terceira – a traição de Prometeu esqueceu-se nos séculos: os Deuses esqueceram, as águias, ele próprio...
Pela quarta – cansaram-se, todos, daquele processo sem fundamento: cansaram-se os Deuses, cansaram-se as águias, cansada fechou-se a ferida.
Ficou o inexplicável monte de pedra. A lenda busca explicar o inexplicável: como surgiu de um fundo de verdade, tinha de acabar todavia sem explicação.
(Tradução de Torrieri Guimarães)
Bibliografia:
Kafka, O Processo, (Lisboa, Publicações Europa-América, 1976).
Kafka, "A Toca", in A Grande Muralha da China, (Lisboa, Publicações Europa-América, 1976), p.47.
Na narrativa A Toca, o ser que de um modo febril e obstinado constroi um labirinto para sua protecção, às vezes no desespero do seu cansaço físico quer abandonar tudo.
O cansaço tudo sujeita à erosão, como se pode concluir da leitura do desfecho da última lenda de Prometeu:
Prometheus
There are four legends concerning Prometheus:
According to the first he was clamped to a rock in the Caucasus for betraying the secrets of the gods to men, and the gods sent eagles to feed on his liver, which was perpetually renewed.
According to the second Prometheus, goaded by the pain of the tearing beaks, pressed himself deeper and deeper into the rock until he became one with it.
According to the third his treachery was forgotten in the course of thousands of years, forgotten by the gods, the eagles, forgotten by himself.
According to the fourth everyone grew weary of the meaningless affair. The gods grew weary, the eagles grew weary, the wound closed wearily.
There remained the inexplicable mass of rock. The legend tried to explain the inexplicable. As it came out of a substratum of truth it had in turn to end in the inexplicable. Kafka
Translated by Willa and Edwin Muir Copyright © 1971, Schocken Books.
Franz Kafka
Lendas
De Prometeu contam-se quatro lendas:
Pela primeira – por ter ele traído os Deuses junto aos homens, foi ele posto a ferros numa penedia do Cáucaso e lá os Deuses mandavam águias a fazer de pasto o seu fígado sempre renovado.
Pela segunda – atormentado pelos bicos que o laceravam, Prometeu foi encolhendo-se cada vez mais de encontro ao rochedo até formar com ele uma coisa única.
Pela terceira – a traição de Prometeu esqueceu-se nos séculos: os Deuses esqueceram, as águias, ele próprio...
Pela quarta – cansaram-se, todos, daquele processo sem fundamento: cansaram-se os Deuses, cansaram-se as águias, cansada fechou-se a ferida.
Ficou o inexplicável monte de pedra. A lenda busca explicar o inexplicável: como surgiu de um fundo de verdade, tinha de acabar todavia sem explicação.
(Tradução de Torrieri Guimarães)
Bibliografia:
Kafka, O Processo, (Lisboa, Publicações Europa-América, 1976).
Kafka, "A Toca", in A Grande Muralha da China, (Lisboa, Publicações Europa-América, 1976), p.47.
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