De que falamos quando falamos de amor? Pergunta um personagem de Raymond Carver

- O que é que, na realidade, qualquer um de nós sabe sobre o amor? – perguntou Mel. – Ao que me parece, não passamos de principiantes nestas coisas do amor. Dizemos que nos amamos uns aos outros e isso é uma verdade, não restam dúvidas. Eu amo a Terri e a Terri ama-me; vocês os dois também se amam… Agora percebem a que género de amor me estou a referir: o amor físico, aquele impulso que nos conduz a alguém especial, bem como o amor pela outra pessoa enquanto ser humano, pela sua essência: o amor carnal e, chamemos-lhe assim, o amor sentimental, a atenção pela outra pessoa em cada dia que passa. Mas às vezes tenho dificuldade em explicar o facto de que devo ter também amado a minha primeira mulher. Mas amei-a; eu sei que é verdade. Por isso, suponho que, neste aspecto, sou como a Terri. Terri e Ed. – Fez uma pausa para reflectir nisso e continuou: - Houve uma altura em que pensava que amava a minha primeira mulher mais do que a própria vida. Mas agora odeio o ar que ela respira. Não tenho dúvidas. Como é que isso se explica? O que é que aconteceu a esse amor? Era isso que eu gostava de saber. Quem me dera que alguém me dissesse. Depois há o Ed. Ok, voltamos ao Ed. Ele ama a Terri de tal maneira que tenta matá-la e acaba por se matar.
Mel parou de falar para dar um gole e continuou:
- Vocês os dois estão juntos há dezoito meses e amam-se. Está escrito nas vossas caras. Vocês respiram amor. Mas tanto um como o outro amaram outras pessoas antes de se conhecerem; tal como nós, vocês foram casados anteriormente. E, provavelmente, até amaram outras pessoas antes disso. Terri e eu vivemos juntos há cinco anos e estamos casados há quatro. E o que é terrível… terrível, mas simultaneamente bom – uma graça divina, se assim se pode dizer – é que se amanhã nos acontecesse alguma coisa, o outro, a outra pessoa, sentiria dor durante algum tempo, estão a perceber?, mas depois o que sobrevivesse continuaria a sua existência e amaria de novo, teria em breve outra pessoa. Tudo isto, todo este amor de que temos estando a falar, não passaria de uma recordação; talvez nem isso. Estarei enganado? Estarei fora da realidade? Porque, se vocês pensarem que estou errado, quero que me digam. Quero saber. Quer dizer… eu não sei nada e sou o primeiro a admiti-lo.


Raymond Carver, De que falamos quando falamos de amor, (Lisboa, Teorema, 2001), pp.193-194.

E a pergunta fica sem resposta...

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