Breves apontamentos sobre grandes questões das neurociências (5)
Ce qui nous fait penser. La nature de la règle.


Paul Ricoeur interfere dizendo que voltarão mais tarde à natureza dos ensinamentos que a observação clínica acrescenta à conduta vivida. Dentro do plano epistemológico, um dos pontos críticos, em seu entender, é o paralelismo ilícito entre as duas frases: "Eu agarro com as minhas mãos" e "Eu penso com o meu cérebro." Porque enquanto a primeira afirmação decorre de uma vivência, a segunda resulta de uma aprendizagem.

Por seu turno, Jean-Pierre Changeux afirma que nas ciências do sistema nervoso há dois tipos de discursos que se referem a dois métodos de investigação distintos.
Um é o discurso da anatomia, centrado na morfologia do cérebro, na sua organização microscópica, nas células nervosas e nas suas conexões sinápticas.
O outro tem por objecto as condutas, os comportamentos, as emoções, os sentimentos, os pensamentos, as acções sobre o ambiente. Constituem dois modos de descrição que estiveram separados um do outro durante muito tempo. E refere, a propósito, o papel do behaviorismo para o reforço desta dicotomia.
Nenhum neurobiologista dirá, comenta Changeux, que a linguagem é a região frontal superior do cérebro. Dirá, antes, que a linguagem mobiliza domínios particulares do nosso cérebro.O termo mobiliza estaria particularmente apropriado, porque faz intervir um conjunto de processos que não é abrangido por nenhum dos discursos referidos por Ricoeur. Trata-se, de actividades dinâmicas e transitórias que circulam no tecido nervoso. Estas actividades eléctricas ou químicas, constituem o liame interno entre uma organização anatómica de neurónios e de conexões, de uma parte, e o comportamento, de outra parte.
É preciso introduzir um terceiro discurso, já pressentido por Spinoza e que põe em jogo esta dinâmica funcional, a fim de unir o anatómico e o comportamental, o descritivo comportamental e o descritivo neuronal e o percebido-vivido. Changeux considera que não se libertaria de uma amálgama semântica, pelo contrário utilizaria múltiplos discursos e relacioná-los-ia entre si de uma forma adequada e operacional.

Contrapõe Ricoeur: Não é apenas o anatómico e o comportamental que é preciso relacionar. Há, por um lado, o comportamento observado e descrito cientificamente e por outro lado, o mesmo vivido de maneira significativa e nos termos que Canguilhem chama valores vitais. É neste nível que a dualidade dos discursos coloca problemas.

Objecção do biólogo: Problemas, sim, mas não incompatibilidades.

Continua

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