A propósito do post de Paulo Pereira de Sexta-feira, Dezembro 19, 2003, no Blogo Social Português intitulado "O Ambientalista optimista" pensei que devia referir o trabalho desenvolvido pelo ecologista americano Eugene P. Odum.
"A compreensão da sucessão ecológica providencia uma base para a solução do conflito entre o homem e a natureza." Eugene P. Odum (1969)
Eugene P. Odum talvez tenha rivalizado apenas com Robert MacArthur na obtenção do título do ecologista mais influente das últimas décadas. A maior influência de Odum foi veiculada através da obra Fundamentos da Ecologia ( 1953 ), no entanto, a sua sua acção englobou a formação de um quadro de estudantes e a elaboração de importantes contributos conceptuais e metodológicos. A emergência da ciência do ecossistema como subdisciplina mais destacada da Ecologia na segunda metade do século XX, pode ser atribuída, em larga medida à enérgica liderança de Odum. (James Brown, 1991 )
Muitas das teses de Odum sobre o ecossistema estão coligidas no artigo "A Estratégia de Desenvolvimento do Ecossistema", publicado em 1969, no jornal Science. Poucos artigos, em Ecologia foram tão influentes e controversos quanto este; até porque na época em que foi escrito a Ecologia americana estava dividida em duas competitivas escolas, a do ecossistema, dirigida por Odum, e a ecologia evolucionária, liderada por MacArthur. O artigo de Odum constituiu uma tentativa para ligar as duas subdisciplinas. Todavia, não foi uma tentativa nem de síntese nem de integração, bem sucedida na altura, porque reforçou o preconceito segundo o qual os teóricos do ecossistema tinham uma deficiente compreensão acerca da evolução; sendo até ridicularizada, pelos ecologistas evolucionários e considerada ingénua porque parecia requerer a existência de um processo análogo ao da selecção natural, operando ao nível do ecossistema.
Afirma, neste sentido, Worster: Odum libertou-se das suas dificuldades taxonómicas para descrever a vida dos ecossistemas, defendeu que uma "estratégia de desenvolvimento" era uma espécie de plano de jogo que proporcina tanto à natureza na sua totalidade como aos seus componentes individuais, uma direcção global, de conjunto. A palavra "estratégia", sugeriu, que os ecossistemas seriam seres conscientes que poderiam desejar objectivos para si próprios e lutar para os obter, mas Odum não queria na verdade, chegar a essa conclusão; ele apenas queria dizer que os ecossistemas são entidades auto-organizadas como os organismos. A sua estratégia, seria "alcançar uma grande e diversificada estrutura orgânica tanto quanto possível e dentro dos limites levantados pelas entradas de energia disponivel e das condições fisicas prevalecentes da existência". (...) Por outras palavras, o princípio unificador da natureza é que os organismos aprendem a trabalhar juntos para gerir o mundo fisico à sua volta com a máxima eficiência e beneficio mútuo. (D. Worster, 1995,366-367).
Só nos últimos tempos é que os contributos de Odum foram objecto de reapreciação e revalorização, por parte de alguns ecologistas evolucionários e biológos sugerindo que algumas comunidades ecológicas poderiam conter os tipos de estratégias evolucionárias visionadas por Odum , enquanto que outros reavaliaram oconceito de superorganismo de Clemens (James Brown, 1991 ).
Em "A Estratégia de Desenvolvimento do Ecossistema", Odum utilizou o fenómeno da sucessão ecológica para especular sobre os princípios gerais que governam a estrutura e a dinâmica dos ecossistemas. Aí tentou estabelecer, por um lado, as relações entre os processos do fluxo de energia e os ciclos de nutrição; e, por outro lado, os fenómenos do crescimento da população, a organização da comunidade e a adaptação.
Ele começou por criticar a deficiente utilização do conceito de sucessão ecológica e propôs uma reformulação do mesmo. Procurou elaborar uma perspectiva unificadora e globalizante da ecologia, através da apresentação do modelo tabular, preconizou e desenvolveu o recurso à experimentação laboratorial, à matematização e à simulação através da aplicação de modelos informáticos . Estabeleceu analogias entre as estratégias de desenvolvimento dos ecossistemas e a evolução das sociedades humanas, argumentou que a ecologia deveria incluir os seres humanos e as suas actividades como partes integrantes dos ecossistemas, eles não podem existir fora da natureza e os conflitos aparentes entre os homens e a natureza terão que ser solucionados ou ambas as partes sofrerão.
Também procedeu à análise das hipóteses de solução já conhecidas, para a crise ecológica contemporânea, tais como a estabilidade de pulso e a agricultura de detritos, alertou para a sua insuficiência e descreveu um modelo original de solução, o modelo de compartimento defendendo, deste modo a importância do desenvolvimento da teoria do ecossistema para a ecologia humana.
Odum usou um grande número de exemplos para ilustrar a "relevância do desenvolvimento da teoria do ecossistema para a ecologia humana". O ecologista, profeticamente, preocupou-se com os perigos resultantes da manipulação para a sua estabilidade, e perspicazmente previu os problemas que resultariam das enchentes anuais dos Everglades (também referidos por Clements ( 1936, p. 73 ). Apontou os benefícios económicos e ambientais decorrentes de uma redução da dependência da agricultura dos pesticidas e fertilizantes químicos. E, de modo mais ambíguo, preconizou uma forma de utilização da terra através da distribuição por zonas que limitasse a natureza e a distribuição das actividades humanas na paisagem no sentido de levar a população humana e a economia a um equilíbrio com os sistemas de suporte da vida da terra. Muitos dos problemas debatidos por Odum, neste artigo, são mais relevantes agora do que quando ele o publicou. ( James Brown, 1991 ). Dada a actualidade do seu conteúdo aconselha-se a leitura das teses nele desenvolvidas, até porque o artigo está traduzido em português, ver, Odum, E.P. , Fundamentos de Ecologia, ( Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997).
A perspectiva de Odum sobre a natureza enquanto um conjunto de séries de ecossistemas, em equilíbrio, perfeitos ou incipientes, conduziu-o a lutar pela preservação da paisagem, defendendo a sua integridade intrínseca tanto quanto isso for possível. Eugene procurou , ainda articular as concepções mecanicistas e organicistas da Terra, através da metáfora da nave espacial. No entanto, e dentro do mesmo espírito, incorporou a metáfora de Gaia nos seus artigos mais recentes (D.Worster, 1995 ) denotando uma enorme flexibilidade, humildade intelectuais e revelando uma profunda coerência com os seus objectivos ambientalistas.
Curiosidades: Clements e Odum são duas referências fundamentais para a compreensão da constituição da ecologia enquanto ciência, o primero como precursor, o segundo como representante da maturidade desta ciência. Odum formou-se na Universidade de IIlinois, logo na escola ecológica desenvolvida por Cowles, Clements, Cooper, Shelford entre outros. Eugene Odum alterou a metodologia e a terminologia utilizadas por Clemens substituiu o conceito de climax pela noção de ecossistema maduro, descritosegundo um modelo tabular de sucessão ecológica e a metáfora do superorganismo pela da nave espacial. As teorias da sucessão ecológica levantam a questão sobre se o seu próprio objecto de estudo é um fenómeno real ou se não passará de uma metáfora.
A mudança nas características destas comunidades é descrita em termos de estratégia ( Odum, 1969 ), um ecossistema pode ter uma estratégia para manter ou recuperar a estabilidade se perturbada.
O irmão de Eugene também é ecologista e ambos trabalharam em conjunto.
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