Casada com um génio (2)

Sonya ficou noiva aos dezassete anos, sentia-se muito apaixonada, mas sentiu a sua paixão como uma verdadeira ingénua, ignorante acerca de determinados aspectos da vida. A noiva de Tolstoy foi educada numa atmosfera familiar alegre e calorosa, num meio sofisticado. O seu primeiro contacto com as realidades físicas do amor foi inesperado e brutal. Tolstoy acreditando na necessidade de uma lealdade completa para com a sua noiva, mostrou-lhe o seu Diário íntimo onde discorria sobre as suas aspirações e relatava as suas aventuras de celibatário, que qualificava de "deboches" porque sentia tremendos remorsos. Acusava-se de uma "terrível luxúria que se tornara uma verdadeira doença" declarando em simultâneo que não acreditava no amor romântico. Pensava que a sua mulher não devia desconhecer o pior de si mesmo e entregou as confissões da sua luxúria a uma jovem ingénua, que ficou profundamente magoada e chorou durante toda a noite. Era um mau começo; pouco tempo após o casamento, ela escrevia: "Todas as manifestações físicas me causam tal repugnância!... É terrível. horrorosamente triste!"
Além disso a virulência das manifestações sexuais do marido juntamente com as recordações do seu Diário e com o facto de ele se afastar dela durante os períodos de gravidez, dava-lhe motivo para pensar que o marido só sentia por ela uma atracção física e não um sentimento de genuíno amor. Antes do nascimento do primeiro filho escreveu: "Não posso dar-lhe nenhuma alegria enquanto estou grávida. Que tristeza pensar que uma mulher só sabe nesse estado se o marido a ama ou não." Afirmou ainda: "Sonho muitas vezes em ter uma intimidade espiritual com Leão e não só essa nojenta intimidade corporal." Não será de admirar que uma gravidez ocorrida naquelas condições fosse vivida sob uma perspectiva negativa, pois estava intrinsecamente ligada às relações físicas odiadas bem assim como ao estado em que, não passaria de "um espantalho para o marido". A gravidez tornar-se-ia, assim, sinónimo de solidão afectiva; seria essa a razão por que confessou: "Este estado é-me insuportável física e moralmente." "Estes nove meses foram os mais terríveis da minha vida. Quanto ao décimo mais vale não falar dele." Apesar de tudo, tem ainda força para amar o filho: "É o filho de Leon, eis porque o amo." Tratar-se-ia do o meio que lhe restaria para encontrar a união espiritual com o marido com que sonharia.
Sonya Tolstoy deu à luz treze filhos e teve três abortos. O marido considerava que uma mulher que tinha relações sexuais sem ficar grávida não passava de uma prostituta. Se no início da sua vida em comum Tolstoy considerava o casamento um estado sagrado, acabou por o representar como uma "prostituição doméstica". Para ele, a família identificava-se com a carne. Na obra Sonata a Kreutzer Tolstoy negou a santidade do casamento. Sonya terá deduzido que o marido sempre teria concebido o amor físico como degradante e se sentiria esmagado pelos remorsos depois de o ter consumado. Sentir-se-ia indissoluvelmente associada à ideia de pecado. Essa ideia, juntamente com as suas repulsas e os riscos decorrentes dos contínuos estados de gravidez, tomava-lhe difícil a obrigação de corresponder aos desejos fogosos de que continuaria a ser objecto. Não via a mínima recompensa para a sua submissão. Na referida obra Tolstoy descreveu o amor como a sexualidade reduzida a si mesma, sem afeição, sem união espiritual. Sonya revoltou-se e a sua décima segunda gravidez foi vivida como a pior das desgraças. Fez tudo o que pôde imaginar para provocar empiricamente um aborto. Tomava banhos tão quentes que corria o risco de desmaiar, conservava indefinidamente os pés em água quase a ferver; ou então a velha ama via-a trepar para cima de uma cómoda alta e saltar para o chão, repetindo obstinadamente esse exercício. Tolstoy abandonou a casa, deixanda-a sozinha na altura do parto. Ela escreveu mais tarde: "Durante toda a minha gravidez nunca deixou de ser desagradável comigo. Provavelmente era o meu aspecto que o indispunha." Assim. o seu papel e a sua função de mãe não eram reconhecidos como tal, não passariam de uma autorização para realizar o acto sexual.
Tolstoy estava obcecado pela ideia de que devia viver na pobreza e abandonar todos os seus bens; tal atitude desencadeou um grave conflito com a mulher, que considerava esse desejo como uma recusa em assumir as suas responsabilidades de pai de família, fazendo recair as consequências das suas decisões apenas sobre ela; por isso escrevia: "Não sabia como me adaptar às suas novas ideias. Com todos aqueles filhos não podia seguir como um cata-vento todas as reviravoltas espirituais do meu marido... Se como o meu esposo desejava tivesse dado toda a nossa fortuna - gostava de saber a quem? -, teria ficado na miséria com os filhos. Seria obrigada a trabalhar para toda a família, a cozinhar, a passajar. a lavar, a privar os filhos de educação. Quanto a Leão, por vocação e por gosto não teria feito mais nada senão escrever."

Bibliografia

Asquith, Cynthia, Married to Tolstoy, (New York, Houghton Mifflin, 1961).
Edwards, Anne. Sonya, The Life of Countess Tolstoy, (New York, Carroll & Graf Publishers, 1983).
Tolstoy's War with Love, by David Laskin, http://www.pbs.org/wgbh/masterpiece/anna/ei_war.html
The Woman Question, http://www.pbs.org/wgbh/masterpiece/anna/ei_woman.html
Tolstoy, Sonata a Kreutzer, http://www.ccel.org/t/tolstoy/kreutzer/kreutzer.txt
http://www.varchive.org/tpp/kreutzer.htm

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