Duas Vias para a Compreensão da Hermenêutica: Heidegger e Paul Ricoeur
III- A Destruição da Metafísica (6)

A retomada, a reposição do "eu sou", não relevaria apenas uma fenomenologia no sentido de uma descrição intuitiva, mas resultaria de uma interpretação,
precisamente porque o "eu sou" teria sido esquecido, ele deverá ser reconquistado por uma interpretação que o desoculte. O "eu sou" tornou-se tema de uma hermenêutica. A reposição do Cogito, seria possível mediante um movimento regressivo partindo do fenómeno do ser-no-mundo e retornando à questão do "quem" deste ser-no-mundo. O "eu" permanece uma característica essencial do "ser-aí" e por isso deveria ser interpretada existencialmente. Antes da apresentação do ensaio heideggariano acerca do conceito de experiência em Hegel, segue-se uma breve síntese de alguns aspectos da Fenomenologia do Espírito.

O objecto da Fenomenologia do Espírito seria apresentar a "experiência" da consciência no acto de fazer-se "Espírito" e analisar as figuras sucessivas que ela assumiria no decorrer da sua ascensão. No primeiro estádio, a consciência é o saber do imediato ou do existente, e certeza sensível, ou seja "isto e a minha percepção disto".
É nessa certeza que se detem o realismo ingénuo, é nela que ele baseia a sua crença, é ela que a lei invoca quando apela para a inelutável brutalidade dos factos. Mas o que se passa exactamente na sua apreensão imediata e sensivel daquilo que se lhe dá?

Num primeiro momento, sente-se como a plenitude em que se expande a totalidade do Real se confunde com aquilo que se apreende, percepciona. Todavia, por pouco que se queira exprimir esta infinita riqueza aparente, tem de se limitar a uma verificação: há isto que há, há o "eu" que sabe que isto é : "A coisa.. .é " , para o saber sensivel é o essencial, este puro ser ou esta simples imediatidade constitui a verdade da coisa. A certeza enquanto relação é uma pura relação imediata. O singular conhece um puro este, conhece o que é singular: "O singular que conhece vai buscar todo o seu ser aquilo que conhece: Ele só ê na medida em que faz a experiência do seu objecto". Por conseguinte, "o objecto é", ele é a verdade e a essência, é indiferente ao facto de ser ou não ser, permanece mesmo que nao seja conhecido, mas o saber não existe se o objecto não existe. "A certeza sensível é em si mesma universal, como a verdade do seu objecto".

O "aqui e agora" torna-se não-essencial, a sua verdade reside na intencionalidade que o constitui como tal, no eu que o visa. Com efeito: "A desaparição do aqui e agora singulares, visados por mim, é evitada porque sou eu que os retenho. O agora é dia porque eu o vejo, o aqui é uma arvore pela mesma razão. No entanto, tanto nesta relação como na anterior, a certeza sensível faz em si mesma, a experiência da mesma dialéctica. Eu, um este, vejo a árvore e afirmo-a agora aqui, contudo um outro eu vê a casa e afirma que o aqui não é uma árvore mas uma casa. As duas verdades têm a mesma autenticidade, precisamente a imediatidade do ver, a segurança dos dois eus no seu conhecimento, todavia uma desaparece na outra.
"Mas, o que não desaparece nesta experiência é o que eu enquanto universal, cujo ver não é nem a visão da árvore, nem a visão desta casa, mas o ver simples mediatizado pela negação desta "casa..." que permanece simples e indiferente para com tudo o que está em jogo, a casa, a árvore, etc. O "eu é apenas universal...".

Uma Fenomenologia do Espírito" apresenta-se, assim, como uma descrição dos caminhos múltipIos e ordenados que a consciência percorre quando tenta dramaticamente, reconhecer-se como "Espírito", isto é, quando aceita viver como consciência os momentos da sua constituição. Como tal esta Fenomenologia é, simultaneamente, a introdução e a primeira parte do sistema.








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