Memória e Ficção

O Palácio Encantado da Memória
 
A memória do passado é uma sucessão de ficções estruturante do presente. Mas, as solicitações do presente, a qualidade do momento que se está a viver,  também a determinarão? 
Joaquim de Carvalho defendeu em relação à saudade que o passado será tanto mais hipervalorizado quanto menos aprazível se revelar o presente. (1)

A propósito, citam-se algumas afirmações de Larry R. Squire e Eric R. Kandel:

A pessoa que relembra entra, num processo reconstrutivo  e não numa reprodução literal do passado. (...)
Assim, a evocação, até certo ponto depende de um estado. O estado de espírito de uma pessoa, ou até todo o contexto na altura de recordar, encoraja a evocação de eventos que foram anteriormente codificados num estado de espírito e num contexto semelhantes. (...)
Um exemplo interessante  de como a memória depende do contexto é dado por uma experiência realizada com mergulhadores de profundidade por Alan Badeley e Duncan Godden, em Cambrige, Inglaterra. Os mergulhadores escutaram 40 palavras sem qualquer relação entre si, em cada um dos seguintes contextos: de pé na praia e na água,  a cerca de três metros de profundidade. Subsequentemente, foram testados num dos dois contextos, tendo-lhes sido pedido para recordarem o maior número possível de palavras. As palavras aprendidas debaixo de água eram mais facilmente  evocadas debaixo de água e e as palavras aprendidas na praia eram com facilidade evocadas na praia. De maneira geral, os mergulhadores evocavam 15% mais de palavras em iguais contextos de evocação.
 
Embora estes efeitos dependentes do estado de espírito sejam intrigantes, não devem ser sobrevalorizados, uma vez que parecem depender do estabelecimento de diferenças algo acentuadas entre a codificação e a evocação, relativamente à disposição (feliz por oposição a infeliz), (estado de espírito(com droga por oposição a sem droga), ou contexto (na praia por oposição a debaixo de água. Apesar de tud, não precisamos de regressar à sala onde lemos um livro sobre a guerra civil para nos lembrarmos de determinados factos contidos nesse livro. No entanto, estas conclusões realçam a influência potencial das pistas de evocação. (2)
 
(1) Joaquim de Carvalho, Elementos Constitutivos da Consciência Saudosa, A Problemática da Saudade, (Lisboa, Lisboa Editora, 1998).
(2) Larry R. Squire; Eric R. Kandel, Memória, Da Mente às Células, (Porto, Porto Editora, 2002), pp.82-83

Comentários

Mensagens populares