Confidências e Desabafos de Savarin (35)

Reflexões de Nietzsche sobre as cozinhas alemã e inglesa e os seus efeitos na qualidade do espírito


Considero deliciosa a seguinte passagem do Ecce Homo:

De facto, sempre até aos anos da maturidade comi mal, ou falando moralisticamente, diria que comi de maneira "impessoal", "desinteressada", "altruísta", para glória dos cozinheiros e de outros irmãos em Cristo. Adoptando a cozinha de Leipzig, por exemplo, na mesma época em que empreendia o meu estudo de Schopenhauer (ano de 1865), negava muito a sério a minha vontade de viver. Arruinar o estômago e alimentar-se ao mesmo tempo de modo deficiente, eis um problema que a aludida cozinha se me afigura resolver de modo muito satisfatório. (Diz-se que o ano de 1866 trouxe neste ponto melhoria).Quantas coisas, por tal estilo, não tem, entretanto, na consciência a cozinha alemã em geral! A sopa antes da refeição (ainda em livros venezianos de arte culinária do século XVI se designa isso como "à maneira alemã"); a carne muito cozida, a hortaliça grossa e suculenta; a degenerescência dos bolos, até fazer deles pesa-papéis. Se, além disso, tivermos em conta a necessidade, verdadeiramente animal, de beber depois da comida, necessidade que sentem os velhos alemães, e não só os velhos, compreender-se-á melhor ainda a origem do espírito alemão - que provém de desarranjos intestinais... O espírito alemão é uma indigestão, nada digno dá de si.
Pelo seu lado, a dieta inglesa que em comparação com a alemã, e mesmo com a francesa, é uma espécie de "regresso à natureza", ou seja ao canibalismo, resulta profundamente contrária aos meus instintos; parece que dá ao espírito pés pesados - pés de mulheres inglesas... A melhor cozinha é a do Piemonte.


Nietzsche, Ecce-Homo, (Lisboa, Guimarães Editores, 1979), p. 49

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