Confidências e desabafos de Savarin (34)

Ando a fazer uma pesquisa sobre as ligações secretas e perigosas entre culinária e venenos. Ao ler os pretensos Apontamentos de cozinha de Leonardo deparei-me com as seguintes afirmações. Dispenso-me de tecer comentários sobre o texto.

Os venenos na cozinha

Vou encontrar-me com o meu Senhor Cesare e com Mestre Macchiavelli para aprofundar os meus conhecimentos acerca de venenos, que são insignificantes, dada a relutância de Salai em colaborar comigo nas minhas experiências, desde que descobriu, e passou a resistir, que eu lhe introduzia doses crescentes de esctricnina e beladona na sua polenta matinal, tendo passado a mostrar-se avesso a aceitar as minhas explicações, de que se tratava somente de aumentar a sua imunidade a essas substâncias, caso as mesmas lhe viessem a ser servidas por outras pessoas menos amigáveis - tendo em conta a reputação do pessoal doméstico do nosso bom anfitrião.
No entanto, há algumas coisas sobre as quais não me restam dúvidas. A escolha do veneno depende do efeito que se pretende obter na vítima. Assim, um veneno em especial provoca espirros, outro comichão, outro ainda saltos e convulsões, e outro ainda, a morte total. Quem se iniciar nas artes de envenenador não deve confundir os diversos venenos disponíveis. Deve aprender que a estricnina provoca torcicolos e terrores; que as bagas castanhas e pretas da mortífera erva-moura fazem revirar os olhos e levam ao delírio; que o acónito (tão amiúde confundido com as raízes dea cocleária) dá origem a formigueiros e vómitos; que a cicuta é um veneno que provoca a morte total.
Existem ainda outros de cujos efeitos não estou totalmente seguro, dado o egoísmo de Salai: entre eles contam-se a serpentária, o ruibardo, a atanásia, o mata cão, o meimendro, o visco, o topinambo batateiro e o bolor de certos queijos deMantua.
Se bem que tenho a certeza absoluta de uma coisa: um bom veneno deve ser sempre administrado no início de uma refeição, porque actua mais rapidamente quando o estômago está vazio e porque, administrado nestas condições, é mais vantajoso para o envenenador, que assim só necessita de uma pequena medida do seu produto, e para o anfitrião, que não gostará de ver o banquete organizado para os comensais perturbado popr uma lenta agonia da vítima.


Shelagh; Jonathan Routh, Apontamentos de Cozinha de Leonardo da Vinci, (Edições Atena, Lda, 1997), pp. 114-115.

Comentários

Thainá Espíndola disse…
Adorei a matéria, me encanto muuuito por venenos ^_^

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