Duas vias para a compreensão do pensamento hermenêutico: Heidegger e Paul Ricoeur

III - A Destruição da Metafísica (5)

A questão surgiu elaborada em "L'Époque des conceptions du Monde". Aí Heidegger, adverte-nos que"Cogito" não seria um enunciado inocente; ele pertenceria à idade da Metafísica para o qual a verdade seria a verdade dos entes, o que enquanto tal constituiria o esquecimento do ser como ser. Em que sentido o Cogito pertenceria à idade da Metafísica? O solo filosófico sobre o qual surgiu o Cogito teria sido o da Ciência, e, mais geralmente, um modo de compreensão, segundo o qual a pesquisa disporia do ente, por meio de uma representação explicativa. O primeiro pressuposto seria o de que nós colocaríamos o problema da ciência em termos de pesquisa, a qual implicaria a objectivação do ente que "dispõe" os entes perante nós. O homem calculador poderia estar seguro, do ente. Seria neste ponto quando coincidiriam o problema da certeza e o da representação, que o momento do código emergeria. Na Metafísica de Descartes, o ente teria sido definido pela primeira vez como objectividade de uma representação e a verdade como certeza da representação. Com a objectividade sobreviria a subjectividade, na medida em que o ser certo do objecto seria a contrapartida da posição de um sujeito. Fundir-se-iam a posição do sujeito e a proposição da representação. O tempo de Descartes teria sido a época em que se conceberia o mundo como um "quadro".
É preciso compreender que não se trataria ainda do sujeito no sentido do "eu", mas no sentido de "substratum"; seria aquilo que congregaria todas as coisas para formar uma base, um "alicerce", o substracto. Este "subjectum" não seria ainda o homem e ainda menos o "eu"; o que aconteceria com Descartes seria que o homem se torna o primeiro e real "subjectum", o primeiro e real fundamento. Forjando-se assim, uma espécie de identificação entre as duas noções de "subjectum" como fundamento e de "subjectum" como "eu".
O sujeito tornar-se-ia o centro para o qual o ente seria remetido; todavia, esta situação não já não seria possível pois o mundo ter-se-ia tornado um "quadro" colocado perante nós. Neste ponto da análise, Ricoeur citou Heidegger: "Lá nesse lugar, nesse tempo, onde o mundo se torna quadro, imagem, a totalidade do ente e compreendida e fixada como aquilo sobre o qual o homem pode orientar-se como aquilo que ele quer consequentemente conduzir e ter perante si aspirando a detê-lo, num sentido definido, numa representação". O carácter de representação que se ligaria ao ente constituiria o correlato da emergência do homem como sujeito.
O ente teria sido então conduzido, e levado à presença do homem como aquilo que seria objectivo e do qual ele poderia dispor. O Cogito, não seria uma verdade intemporal, pertencendo a uma época que fez do mundo um quadro. Os gregos não concebiam um Cogito: para eles o homem não olhava para o mundo, mas sim o homem é que seria olhado, observado pelo mundo, através do Ente. A relação sujeito-objecto interpretada como quadro, como imagem, cortaria e dissimularia a pertença do Da-sein ao Ser-Dissimulando igualmente, o processo da verdade como desvelamento, desocultação desta implicação ontológica. Todavia esta crítica não destroi, segundo Ricoeur, todas as relações possíveis da analítica do Da-sein com a tradição do Cogito. Afinal, concluiu Ricoeur, esta destruição do "Cogito" conjuntamente com a desconstrução da época em ele emergiu, tornar-se-ia a condição de uma justa repetição da questão do "Ego".
O "Da-sein" autêntico, nasceria da resposta ao ser; respondendo-lhe, ele preservaria a sua força de ser por meio da força da "palavra". Tal constituiria a última repetição do "sum", do "eu sou", para além da destruição da História da Metafísica, e para além da desconstrução do Cogito concebido como um simples principio epistemológico.
A destruição do Cogito, como ser que se coloca por si-mesmo, como sujeito absoluto seria o inverso, de uma hermenêutica do "eu sou", enquanto este seria constituído pela sua relação ao ser.
O Da-sein compreender-se-ia sempre ele-mesmo, em termos de existência, ou seja a partir da sua possibilidade de ser ele-mesmo ou não (Questão da autenticidade e da inautenticidade). Heidegger preferiu o termo "existencialidade", todavia esta não seria mais do que o conjunto de estruturas de um ser que apenas existiria segundo o modo da retomada ou o da omissão, do esquecimento das suas possibilidades. A grande diferença relativamente ao Cogito cartesiano seria de que a prioridade ôntica não implicaria nenhuma imediatidade.

Comentários

Mensagens populares