Representações da patologia feminina na psiquiatria portuguesa (1950-1960)
Os presentes apontamentos têm por finalidade analisar trabalhos de psiquiatras portugueses da década de 50, que incidem sobre o comportamento feminino evidenciando as imagens e concepções da psicopatologia da mulher implícitas nos referidos textos. O objecto do nosso estudo é precisamente a análise, de um conjunto seleccionado, de artigos publicados na década de 50 por Luís Navarro Soeiro (1905-1965), Diogo Furtado (1906-1964), (Barahona Fernandes (1907-1998), Pedro Polónio (n.1915), Seabra-Dinis (n.1914) e clínicos com formação psicanalítica como João dos Santos (1913-1987), Francisco Alvim, Eduardo Cortesão (1920-1991), Pedro Luzes (n.1927). A análise dos textos é estruturada em torno das categorias de Género e Patologia e das relações entre Ginecologia, Obstetrícia e Psiquiatria.
Contexto Internacional
A Terceira Revolução Psiquiátrica:
• Em 1950 realizou-se em Paris o Primeiro Congresso Mundial de Psiquiatria, classificado por Jean Delay como o Congresso da Terapêutica. (Luís Navarro Soeiro, Diogo Furtado, Barahona Fernandes, Pedro Polónio, Seabra-Dinis, Fragoso Mendes e João dos Santos, entre outros clínicos portugueses também participaram).
• No ano de 1952, Delay e Deniker apresentaram um relatório sobre os resultados positivos observados no tratamento de um paciente psicótico com a clorpromazina, substância utilizada inicialmente por Laborit para obter uma hibernação artificial durante a anestesia e que apresentava propriedades e características singulares como atenuação/ cessação de delírios e alucinações, lentidão psicomotora e indiferença afectiva sem prejuízo das funções cognitivas. Surgia a classe dos antipsicóticos, os neurolépticos, e a psicofarmacologia moderna. Começava, assim a Terceira Revolução Psiquiátrica, que viria a mudar o ambiente dos hospitais psiquiátricos e criar uma nova especialidade a psicofarmacologia.
• Nos EUA só em 1954 começaram a aparecer trabalhos sobre o emprego da clorpromazina, Largactil, que nos EUA mudou de nome, passando a designar-se por Thorazine. No Brasil recebeu o nome de Amplictil.
• A 30 de abril de 1954 Nathan Kline fez uma comunicação na Academia de Ciências de Nova York sobre as suas primeiras observações dos efeitos da Rawolfia (reserpina) no tratamento das psicoses.
• No ano de 1955 realizou-se em Paris o Colóquio Internacional sobre a clorpromazina e os medicamentos neurolépticos em terapêutica psiquiátrica, também sob a presidência de Delay. (Barahona Fernandes participou).
• Em 1957 realizou-se o Segundo Congresso Mundial de Psiquiatria em Zurich. Carl Gustav Jung presidiu à sessão sobre os psicofármacos. Registou-se a aceitação do Largactil (Clorpromazina) e do haloperidol
No final da década de 50, Kuhn, ao investigar os efeitos antipsicóticos da imipramina, substância estruturalmente semelhante à clorpromazina, descobriu os seus efeitos antidepressivos. (Génese do grupo dos antidepressivos tricíclicos).
• No ano de 1960, com o clordiazepóxido iniciava-se a era dos benzodiazepínicos que substituiam com grandes vantagens os barbitúricos no tratamento farmacológico dos estados de ansiedade.
• A maior parte das descobertas fundamentais da psicofarmacologia resultou da observação clínica ou ocorreu por acaso, precedendo em muitos anos os modelos teóricos destinados a explicar os seus efeitos. Apenas no final da década de 60 surgiu o modelo da neurotransmissão cerebral e o modelo da acção farmacológica, sugerindo que os psicofármacos agiam ou nos neurotransmissores ou nos neuroreceptores ou em ambos.
Movimentos psicanalíticos
Breves notas
• Enquanto Jean Delay assumia a cátedra e a direcção do Hospital Sainte-Anne em equipa com os Professores Pierre Pichot, Pierre Deniker e Jean Thuillier e imprimia uma orientação de trabalho biológica e terapêutica. Jacques Lacan dava os seus Seminários no mesmo Serviço. Além de Lacan, o Prof. Henry Ey também fazia conferências e supervisionava casos no Sainte-Anne. Lacan e Henry Ey eram amigos o que não impedia que tivessem calorosos debates pois divergiam nas concepções sobre a loucura e tratamento.
• O Grupo dos kleinianos estava em plena laboração.
• Winnicott divergindo das orientações de Melanie Klein, desenvolvia as suas concepções sobre a psicanálise da criança e o papel da mãe.
• Publicações de Jung: 1950 Metamorfoses do Inconsciente e 1955 As Raízes do Inconsciente.
• Clara Mabel Thompson, “Towards a Psychology of Woman,”Pastoral Pssychology, 4, (34), (1953), 29-38
Clara Mabel Thompson, An Outline of Psychoanalysis, (Randon House, 1955).
Imagens da mulher nos anos 50
• A década de 50 foi designada pela época da feminilidade.
• No pós-guerra, sobretudo nos EUA, muitas mulheres deixaram os empregos e regressaram ao lar, casavam cedo e tinham filhos.
• A mulher dos anos 50, além de bela e bem cuidada, devia ser boa dona de casa, esposa e mãe. A literatura da época, quer a científica quer a de outro tipo enfatizava a ideia de que o trabalho tornaria a mulher masculina e, consequentemente, insegura quanto à sua identidade, para além de prejudicar o seu papel de esposa e mãe.
• A construção da sua identidade sexual enquanto mulher e as suas funções como mãe constituíam as coordenadas do comportamento feminino e delas dependeria o seu equilíbrio psíquico.
• As relações entre ginecologia, obstetrícia e psiquiatria, problemas como a frigidez, a esterilidade, as perturbações psicológicas decorrentes da gravidez, do puerpério e da lactação estavam na
Contexto Nacional
• Na década de 50 surgiu o movimento psicanalítico em Portugal. De acordo com Pedro Luzes, até à década de 50 não havia psicanálise em Portugal, foi só a partir desta data que o país viu nascer um movimento psicanalítico propriamente dito.
• Também é a partir da década de 50 que as mulheres portuguesas começam a formar-se e a trabalhar em Psiquiatria e em Pedopsiquiatria em número significativo. (Alice de Mello Tavares, Celeste Farinha, Maria de Lourdes Campos, Margarida Roque Gameiro Mendo, Fernanda Valle, Suzana Teiga, Manuela Reis, Maria Manuela de Mendonça, Maria Rosa Assunção Alvim Costa, Maria Lucília Mercês de Melo e Celeste Malpique)
• 1954 Início oficial das actividades da Fundação Calouste Gulbenkian (cujos estatutos são aprovados pelo D.L. nº 40 690, de 18 de Julho). Irá desempenhar um papel importante no apoio à modernização hospitalar e à investigação biomédica.
• 1955 Morre Egas Moniz.
• Sob a influência de Barahona Fernandes e seus colaboradores foi criado o Curso de Psicologia Médica no curriculum dos estudos médicos universitários a partir de Cursos Livres de Psicologia Médica efectuados desde 1949 no Hospital de Júlio de Matos.
• 1956 Aprovação dos estatutos da Ordem dos Médicos.
• 1958 Criado o Instituto de Assistência Psiquiátrica.
Género e patologia
O sexo feminino é retratado, na generalidade dos artigos, como sendo mais predisposto do que o masculino a sofrer perturbações do foro psicológico devido ao carácter mais emotivo da sua vida interior à especificidade dos seus ciclos biológicos, da sua sexualidade e das suas funções reprodutivas. A menarca, a gravidez e a menopausa constituiriam momentos propícios ao aparecimento de perturbações, nomeadamente a psicose maníaco depressiva hoje designada por disfunção bipolar. As mulheres estariam assim condicionadas pelas suas características biológicas. Teriam comportamentos tendencialmente mais masoquistas do que os homens, seriam mais atreitas ao ciúme, ao ressentimento e aos comportamentos obsessivo compulsivos.
Os presentes apontamentos têm por finalidade analisar trabalhos de psiquiatras portugueses da década de 50, que incidem sobre o comportamento feminino evidenciando as imagens e concepções da psicopatologia da mulher implícitas nos referidos textos. O objecto do nosso estudo é precisamente a análise, de um conjunto seleccionado, de artigos publicados na década de 50 por Luís Navarro Soeiro (1905-1965), Diogo Furtado (1906-1964), (Barahona Fernandes (1907-1998), Pedro Polónio (n.1915), Seabra-Dinis (n.1914) e clínicos com formação psicanalítica como João dos Santos (1913-1987), Francisco Alvim, Eduardo Cortesão (1920-1991), Pedro Luzes (n.1927). A análise dos textos é estruturada em torno das categorias de Género e Patologia e das relações entre Ginecologia, Obstetrícia e Psiquiatria.
Contexto Internacional
A Terceira Revolução Psiquiátrica:
• Em 1950 realizou-se em Paris o Primeiro Congresso Mundial de Psiquiatria, classificado por Jean Delay como o Congresso da Terapêutica. (Luís Navarro Soeiro, Diogo Furtado, Barahona Fernandes, Pedro Polónio, Seabra-Dinis, Fragoso Mendes e João dos Santos, entre outros clínicos portugueses também participaram).
• No ano de 1952, Delay e Deniker apresentaram um relatório sobre os resultados positivos observados no tratamento de um paciente psicótico com a clorpromazina, substância utilizada inicialmente por Laborit para obter uma hibernação artificial durante a anestesia e que apresentava propriedades e características singulares como atenuação/ cessação de delírios e alucinações, lentidão psicomotora e indiferença afectiva sem prejuízo das funções cognitivas. Surgia a classe dos antipsicóticos, os neurolépticos, e a psicofarmacologia moderna. Começava, assim a Terceira Revolução Psiquiátrica, que viria a mudar o ambiente dos hospitais psiquiátricos e criar uma nova especialidade a psicofarmacologia.
• Nos EUA só em 1954 começaram a aparecer trabalhos sobre o emprego da clorpromazina, Largactil, que nos EUA mudou de nome, passando a designar-se por Thorazine. No Brasil recebeu o nome de Amplictil.
• A 30 de abril de 1954 Nathan Kline fez uma comunicação na Academia de Ciências de Nova York sobre as suas primeiras observações dos efeitos da Rawolfia (reserpina) no tratamento das psicoses.
• No ano de 1955 realizou-se em Paris o Colóquio Internacional sobre a clorpromazina e os medicamentos neurolépticos em terapêutica psiquiátrica, também sob a presidência de Delay. (Barahona Fernandes participou).
• Em 1957 realizou-se o Segundo Congresso Mundial de Psiquiatria em Zurich. Carl Gustav Jung presidiu à sessão sobre os psicofármacos. Registou-se a aceitação do Largactil (Clorpromazina) e do haloperidol
No final da década de 50, Kuhn, ao investigar os efeitos antipsicóticos da imipramina, substância estruturalmente semelhante à clorpromazina, descobriu os seus efeitos antidepressivos. (Génese do grupo dos antidepressivos tricíclicos).
• No ano de 1960, com o clordiazepóxido iniciava-se a era dos benzodiazepínicos que substituiam com grandes vantagens os barbitúricos no tratamento farmacológico dos estados de ansiedade.
• A maior parte das descobertas fundamentais da psicofarmacologia resultou da observação clínica ou ocorreu por acaso, precedendo em muitos anos os modelos teóricos destinados a explicar os seus efeitos. Apenas no final da década de 60 surgiu o modelo da neurotransmissão cerebral e o modelo da acção farmacológica, sugerindo que os psicofármacos agiam ou nos neurotransmissores ou nos neuroreceptores ou em ambos.
Movimentos psicanalíticos
Breves notas
• Enquanto Jean Delay assumia a cátedra e a direcção do Hospital Sainte-Anne em equipa com os Professores Pierre Pichot, Pierre Deniker e Jean Thuillier e imprimia uma orientação de trabalho biológica e terapêutica. Jacques Lacan dava os seus Seminários no mesmo Serviço. Além de Lacan, o Prof. Henry Ey também fazia conferências e supervisionava casos no Sainte-Anne. Lacan e Henry Ey eram amigos o que não impedia que tivessem calorosos debates pois divergiam nas concepções sobre a loucura e tratamento.
• O Grupo dos kleinianos estava em plena laboração.
• Winnicott divergindo das orientações de Melanie Klein, desenvolvia as suas concepções sobre a psicanálise da criança e o papel da mãe.
• Publicações de Jung: 1950 Metamorfoses do Inconsciente e 1955 As Raízes do Inconsciente.
• Clara Mabel Thompson, “Towards a Psychology of Woman,”Pastoral Pssychology, 4, (34), (1953), 29-38
Clara Mabel Thompson, An Outline of Psychoanalysis, (Randon House, 1955).
Imagens da mulher nos anos 50
• A década de 50 foi designada pela época da feminilidade.
• No pós-guerra, sobretudo nos EUA, muitas mulheres deixaram os empregos e regressaram ao lar, casavam cedo e tinham filhos.
• A mulher dos anos 50, além de bela e bem cuidada, devia ser boa dona de casa, esposa e mãe. A literatura da época, quer a científica quer a de outro tipo enfatizava a ideia de que o trabalho tornaria a mulher masculina e, consequentemente, insegura quanto à sua identidade, para além de prejudicar o seu papel de esposa e mãe.
• A construção da sua identidade sexual enquanto mulher e as suas funções como mãe constituíam as coordenadas do comportamento feminino e delas dependeria o seu equilíbrio psíquico.
• As relações entre ginecologia, obstetrícia e psiquiatria, problemas como a frigidez, a esterilidade, as perturbações psicológicas decorrentes da gravidez, do puerpério e da lactação estavam na
Contexto Nacional
• Na década de 50 surgiu o movimento psicanalítico em Portugal. De acordo com Pedro Luzes, até à década de 50 não havia psicanálise em Portugal, foi só a partir desta data que o país viu nascer um movimento psicanalítico propriamente dito.
• Também é a partir da década de 50 que as mulheres portuguesas começam a formar-se e a trabalhar em Psiquiatria e em Pedopsiquiatria em número significativo. (Alice de Mello Tavares, Celeste Farinha, Maria de Lourdes Campos, Margarida Roque Gameiro Mendo, Fernanda Valle, Suzana Teiga, Manuela Reis, Maria Manuela de Mendonça, Maria Rosa Assunção Alvim Costa, Maria Lucília Mercês de Melo e Celeste Malpique)
• 1954 Início oficial das actividades da Fundação Calouste Gulbenkian (cujos estatutos são aprovados pelo D.L. nº 40 690, de 18 de Julho). Irá desempenhar um papel importante no apoio à modernização hospitalar e à investigação biomédica.
• 1955 Morre Egas Moniz.
• Sob a influência de Barahona Fernandes e seus colaboradores foi criado o Curso de Psicologia Médica no curriculum dos estudos médicos universitários a partir de Cursos Livres de Psicologia Médica efectuados desde 1949 no Hospital de Júlio de Matos.
• 1956 Aprovação dos estatutos da Ordem dos Médicos.
• 1958 Criado o Instituto de Assistência Psiquiátrica.
Género e patologia
O sexo feminino é retratado, na generalidade dos artigos, como sendo mais predisposto do que o masculino a sofrer perturbações do foro psicológico devido ao carácter mais emotivo da sua vida interior à especificidade dos seus ciclos biológicos, da sua sexualidade e das suas funções reprodutivas. A menarca, a gravidez e a menopausa constituiriam momentos propícios ao aparecimento de perturbações, nomeadamente a psicose maníaco depressiva hoje designada por disfunção bipolar. As mulheres estariam assim condicionadas pelas suas características biológicas. Teriam comportamentos tendencialmente mais masoquistas do que os homens, seriam mais atreitas ao ciúme, ao ressentimento e aos comportamentos obsessivo compulsivos.
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