Fez ontem oito dias...

Fez ontem oito dias, lia na sala contemplando, de quando em vez, os objectos visíveis através da varanda aberta. Via algumas das plantas do meu terraço, um outro terraço, uma colina, oliveiras, a torre do castelo, um gato preto e branco cuidando da higiene ao sol. Pensei, a partir da leitura do caso "Ver ou não ver" da obra Um Antropólogo em Marte de Oliver Sacks, nos mecanismos complexos da percepção. A percepção do espaço, da distância, da profundidade, da cor, parece ao nível do senso comum, um dado adquirido. Mas, a percepção resulta de uma construção laboriosa ao longo da vida do indivíduo, como se tem vindo a comprovar a partir do estudo de casos de indivíduos cegos desde a infância e aos quais a visãoo é restituída na idade adulta. Afirma, neste sentido, Oliver Sacks:
"Uma criança limita-se a aprender. Trata-se de uma tarefa descomunal, interminável, mas que não encerra um conflito irresolúvel. Um adulto a quem a visão foi devolvida, pelo contrário, tem de levar a cabo uma mudança radical dum procedimento sequencial para um procedimento visual-espacial, mudança esta que contraria abertamente a experiência de uma vida inteira. (...)
Nos indivíduos que adquirem a visão tardiamente, aprender a ver exige uma mudança radical a nível neurológico, acompanhada por uma mudança radical a nível psicológico, de personalidade, de identidade. A mudança é muitas vezes sentida, literalmente em termos de vida e morte."

Oliver Sacks, um Antropólogo em Marte, (Lisboa, Relógio D'Água, 1996), pp. 179-180

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