Leituras: um conto narrado por Gorki

Li um belo conto valáquio, "O Jovem Pastor e a Fadazinha" relatado com a mestria de Máximo Gorki . O conto é uma parábola da impossibilidade da felicidade e da realização plena através do amor. Nele se descrevem as diferentes fases de uma relação amorosa, desde a intensidade e volatilidade do encanto/delírio inicial, passando pelo confronto com a oposição da família, os primeiros tempos de vida em comum, os primeiros desgostos e divergências até ao advento do tédio que insidiosamente se instalou entre os protagonistas. Relata-se o processo de entropia de uma afeição, e os efeitos castradores dos amores que implicam renúncias incompatíveis com o modo de ser dos amantes.
O amor é caracterizado como um veneno, aparentemente doce que despertará, posteriormente, um amargo saber. Também se transmite a concepção de que amor e liberdade são incompatíveis.

Seguem-se algumas passagens:

(...)

- Oh! Como é bom!Doce como a seiva do muguet, quente como um raio de sol estival, o beijo, como um maravilhoso sangue novo, correu-lhe nas veias até ao coração que se pôs a bater violentamente, com força e com doçura.
Ela beijou-o por sua vez e ele devolveu-lhe o beijo, e mais uma vez, e beijaram-se interminavelmente.
Já a tarde caía, o sol deitava-se; a floresta escurecia e ao longe, na estepe, começaram a rastejar as sombras avançadas da noite. Foi então que Maïa se lembrou de que tinha de voltar para casa. Mas não sentia qualquer vontade de o fazer, sentia-se tão bem junto do pastor!

(...)

Ele correu ao encontro dela e pareceu-lhes que com o seu beijo todo o céu se iluminava com uma terna e clara chama rosa. Como era bom!

(...)

Recomeçaram a viver. Dia após dia, a vida corria, e quando se habituaram um ao outro começaram a aborrecer-se. O pastor tinha vontade de ir para um lado, depois para o outro, e Maïa sofria com aqueles passeios incessantes porque os pés delicados não os suportavam.
E um belo dia alongou-se entre eles uma sombra, sem que a apercebessem. Todos sabemos como isso se passa, e discursos mais longos seriam inúteis.

(...)

_ Quando não te via não havia tristeza em mim. Nesse tempo era livre, não desejava nada, não tinha pena de ninguém. Eram bons tempos. Vivia e cantava! Corria pela estepe, de uma ponta a outra, e à noite olhava para o céu. Os meus desejos, então, eram saber tudo e tudo fazer. Mas agora, depois que estás comigo, já não me é possível viver como desejaria, como vivia dantes, porque partir sózinho seria causar-te um desgosto e eu amo-te e tenho pena de ti. És tão bela e tão jovem! E quando se ama e se tem pena, e se deseja ou se teme qualquer coisa, então já não se é livre!...Era isso que te queria dizer. E sofro porque tudo isso é verdade.
(...)
O coração de Maïa ficou gelado com aquele discurso e os olhos encheram-se de lágrimas.

- Dizes a verdade, eu também a direi. Vivia mal, eu, quando só conhecia a floresta? Oh, não! Foste tu, recordas-te, que me atraíste com os teus cantos, que me pediste para sair da floresta. Concordei, porque pensei que estaria melhor aqui, contigo. Perdi assim a minha mãe, as minhas irmãs, a minha casa, tudo! Troquei tudo isso contra quê? Diz-me. Não foi por esses minutos em que os beijos se tornam tão ardentes que chegam a doer? Se é esse o preço, é pagar bem caro... E tudo o que soube de ti, seria melhor não o ter sabido, porque tudo isso faz pensar!... Falaste-me do destino e da morte ... Mas que há neles de bom? Se não soubesse que existiam, seria mais alegre, porque saber pensar não torna a vida melhor ... Pronto, também eu te disse algumas palavras, e talvez te dissesse mais se pudesse arrancar o meu coração e levá-lo nas mãos até aos teus olhos: poderias ver tudo o que há nele. És inteligente, diz-me então por que tudo isto evolucionou deste modo?

Ele fazia a si mesmo idêntica pergunta. Sim, porquê, na realidade? Tinham ambos recebido tanto como tinham dado?
(...)
Viveram assim. Viveram assim e, olhando-se um ao outro, tornavam-se cada vez mais inúteis, aborreciam-se dia a dia mais e cada vez melhor compreendiam e viam o seu aborrecimento; e cada vez mais o pastor tinha vontade de partir para qualquer parte, longe, muito longe (...) Maïa definhava a olhos vistos, empalidecia cada vez mais e concentrava os seus pensamentos numa única interrogação constante: "Porquê? Porquê?"
(...)
- Meu querido, vou morrer!
(...)
- Não, vou morrer, o Verão morreu e eu vou segui-lo. Leva-me para a floresta, depressa.
Os olhos do pastor brilharam de desgosto e de alegria ao mesmo tempo.

(...)

Olhava-a. Já não era tão bela como o tinha sido em vida, mas era-lhe agora mais querida, e amava-a mais intensamente nesse momento de aflição. Sim, amava-a mais porque a tinha perdido ... o coração sofria e chorava ...O rancor ferveu nele como um jorro ardente.

(...)


Mas, o melhor mesmo é ler todo o conto.

Máximo Gorki, Três Contos de Máximo Gorki, (Porto, Editorial Inova, 1972), pp.35-72

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