Lendas e Mitos

O Mito de Quimera


Quimera de Arezzo, escultura etrusca de bronze do século V a.C. com 80 cm de altura. Foi encontrada em 1553 e pode apreciar-se no Museu Arqueológico de Florença.

Quem diria que a Quimera era um bicho tão feio! Bem nos avisam contra as quimeras...

O mito de Quimera tem a sua génese na Anatólia e teria aparecido na Grécia durante o século VII a.C. Segundo a versão mais conhecida da lenda, a Quimera era um monstruoso fruto da união de Equidna - metade mulher, metade serpente - com o gigante Tífon. De acordo com outros relatos seria filha da hidra de Lerna e do leão de Neméia, os quais teriam sido mortos por Hércules. A descrição comum retrata-a com cabeça de leão, torso de cabra e parte posterior de dragão ou serpente. Criada pelo rei da Cária, arrasaria, posteriormente, este reino e o de Lícia com o fogo que lançava continuamente. Tal suplício só findou, quando o herói Belerofonte, montado no cavalo alado Pégaso, conseguiu matá-la. A representação plástica mais corrente da Quimera é a de um leão com uma cabeça de cabra na espádua. A referida representação foi também a mais comum na arte cristã medieval, que fez dela um símbolo do mal. Ao longo do tempo, passou a designar-se genericamente por quimera todo o tipo de monstros fantásticos usados na decoração arquitectónica.

Na linguagem popular, o termo quimera remete para qualquer composição fantástica, absurda ou monstruosa, formada pela mistura bizarra de elementos diversos.



E deixo aqui uma narrativa sobre o fim da Quimera:

A morte da Quimera



Belerofonte, um jovem príncipe da cidade de Corinto, viveu algum tempo na corte de Proeto, nessa altura rei de Argos. Enquanto ali esteve, a mulher do rei, Anteia, apaixonou-se por ele. Assim que Belerofonte descobriu os sentimentos dela, resolveu evitá-la sempre que pudesse, mas não abandonou a corte. Durante muito tempo, Anteia insistia em persegui-lo, mas por fim ficou ofendida com a sua recusa e planeou vingar-se. Com o rosto mais inocente, disse ao marido que Belerofonte a perseguia, o que era o contrário da verdade.



Procto acreditou no que a mulher lhe disse e ficou furioso. Porém, as leis da hospitalidade não lhe permitiam matar o hóspede. Então, escondeu os seus sentimentos e pediu a Belerofonte para ir levar uma carta a Lóbates, pai de Anteia. A carta estava selada e Belerofonte não sabia o que ela dizia. De facto dizia a Lóbates que Belerofonte era um perigoso adúltero e pedia para o matarem sem demora: estava em jogo a honra da filha de Lóbates.



Por qualquer razão, Lóbates não queria ser ele próprio a praticar o crime, mas imaginou imediatamente um plano que esperava tivesse o mesmo resultado. Metendo a carta no cinto depois de a ler, foi até à janela da sala, onde estava Belerofonte.



- O meu genro diz-me que tu és um valente - disse ele. Parece-me que encontrei o homem de que eu preciso.



Belerofonte olhou para ele interrogativainente.



- Existe perto daqui um monstro - continuou Lóbates - que há uns tempos nos dá problemas. Chama-se Quimera e é metade leão, metade cabra, com cauda de víbora. Dizem que o pai foi Tífon, o da cabeça de serpente. Quero que seja destruído, mas nenhum dos meus súbditos se atreve a enfrentá-lo. Mas se tu és o homem que Proeto diz... Lóbates não acabou a frase, mas Belerofonte compreendeu perfeitamente. Se não se oferecesse para combater a Quimera, seria acusado de covarde. Sem hesitar, Belerofonte aceitou o desafio. Contudo, Lóbates não tinha dito toda a verdade. A Quimera era muito mais terrível do que ele a descrevera. A cabeça de leão deitava lume pela boca como um dragão, por isso era impossível atacá-la de perto, e tinha a agilidade de uma cabra dos montes em saltar e esquivar-se das setas bem apontadas.



E a cauda de víbora vencia qualquer atacante cuspindo veneno das suas mandíbulas mortais. Muitos dos melhores soldados de Lóbates já tinham tentado dominá-la e haviam sido vencidos.



Antes de resolver atacar a Quimera, Belerofonte aconselhou-se com um adivinho. E este disse-lhe que ele só venceria se fosse montado no cavalo Pégaso. Pégaso era filho de Poséidon e da górgona Medusa. Mas, embora filho da horrível mulher de cabelos de serpente, estava longe de ser horrível. O seu corpo de cavalo airoso e forte era mais bonito do que o de qualquer outro animal, enquanto as enormes asas que lhe cresciam nas costas o levavam pelo ar, com mais leveza do que um pássaro.



Antes de Belerofonte o poder montar, tinha primeiro que o apanhar e pôr-lhe rédeas e freio, porque o animal vivia em plena liberdade.



Naquela tarde, enquanto Belerofonte regressava a Corinto, apareceu-lhe a deusa Atena, com uma rédea de ouro na mão.



- Toma - disse Arena a Belerofonte -, porque sem ela nunca poderás dominar um cavalo tão vivo como Pégaso.



Belerofonte conseguiu agarrar o Pégaso pelas crinas, enquanto este estava a beber num regato. Atirou-lhe a rédea de ouro sobre a cabeça e amarrou-a com força, enquanto o cavalo relinchava e dava pinotes, para se libertar da prisão a que não estava habituado. Mas daí a pouco, permitiu que Belerofonte o montasse e partiram os dois a voar.



As fortes asas de Pégaso levaram-nos rapidamente por sobre muitas milhas até que Belerofonte viu lá em baixo, num planalto, a figura horrenda da Quimera. Puxou as rédeas a Pégaso para o fazer parar e começaram a descer, voando baixo em volta do monstro, enquanto ele arremetia e tentava apanhá-los no ar. Quando passavam mais perto, Belerofonte lançava setas atrás de setas com o seu arco, até que percebeu que o monstro estava cansado. E Belerofonte meteu esporas a Pégaso para o ataque final.



Para isso tinha preparado uma maneira pouco vulgar. Atena avisara-o de que a Quimera lançava fogo da cabeça de leão e ele preparara uma arma especial. Cautelosamente, ele e o Pégaso aproximaram-se do monstro, e, enquanto as grandes fauces com as temíveis fileiras de presas se abriam para os morder, Belerofonte meteu entre elas a lança. E na ponta da lança estava enrolado um grande pedaço de chumbo. As chamas que vinham da garganta do monstro não atingiam Belerofonte, são e salvo em cima do Pegaso, mas depressa derreteram o chumbo, que escorreu a ferver para dentro do monstro. E a Quimera teve uma morte horrível.



Quando Belerofonte voltou vitorioso ao palácio, Lóbates começou pela primeira vez a duvidar de que tal homem se tivesse comportado da maneira desonrosa como a filha dissera. Contudo, entregou a Belerofonte mais algumas tarefas perigosas, e depois de todas cumpridas ele teve a certeza de que o tinham querido enganar.



Por fim, falou a Belerofonte na carta de Anteia, e quando ouviu a verdade ofereceu-lhe a mão da sua segunda filha, para o recompensar. E no meio de uma grande festa, casaram.



Belerofonte passou a ser um cidadão respeitado, querido de todos pelas suas proezas. As pessoas elogiavam-no e exageravam até os seus feitos, e, com o tempo, ele passou a acreditar que elas diziam a verdade. Tornou-se intoleravelmente vaidoso e quando alguém o comparava aos deuses aceitava o cumprimento. Com o tempo, julgou que era de fato igual aos imortais. E, sendo assim, raciocinava ele, porque não havia de visitar o Olimpo?



Quando Zeus ouviu isto, duvidou de que um simples mortal pensasse em ir ao alto do Olimpo sem ser convidado, e resolveu dar uma lição a Belerofonte.



Entretanto, cá em baixo, Belerofonte tinha vestido os seus mais belos trajes e, montado no Pégaso, cavalgou desde o pátio do palácio até ao alto de uma pequena colina. Daí, o cavalo alado levantou-se facilmente no ar. Voaram cada vez mais alto, até que a Terra lá em baixo parecia um mapa gigantesco. E depressa estavam entre as nuvens, e as montanhas ficavam para trás. E continuaram a subir, até aos altos picos do Olimpo.



Enquanto Belerofonte ainda estava a certa distância, Zeus soltou um moscardo no ar, Direito como uma seta, ele picou o Pégaso por debaixo da cauda. Muito espantado, o cavalo deu pinotes e reviravoltas e, soltando um grito horrível, Belerofonte caiu da sela. Ainda tentou agarrar-se às crinas do cavalo, mas escorregaram-lhe as mãos. E foi cair lá em baixo na terra.



Zeus riu para consigo, enquanto via o Pégaso aos coices, outra vez em liberdade:



- Assim acabam os que pretendem rivalizar com os deuses - disse ele.




Comentários

Mensagens populares