Da Voluptuosidade (15)
Rilke ou a Hierofania da volúpia:
Para Vague de La Marée Haute:
[SETE POEMAS]
[Fim do Outono de 1915]
[I]
De repente a que estava a colher rosas
lança a mão ao botão cheio do membro vital dele,
e do susto da diferença
desfalecem dentro dela os [suaves] jardins.
[II]
Verão impetuoso que tu és,
a súbita árvore alçaste a semente.
(Espaçosa por dentro, sente em ti o arco
da noite em que ele se emancipa.)
Eis se ergueu e cresce ao firmamento, imagem reflectida de árvore
junto às árvores.
Oh, derruba-a, que ela, invertida
pra dentro do teu ventre, conheça o contra-céu
em que se faz arbórea e ascende de verdade.
Paisagem ousada, como as vêem as videntes
em bolas de cristal. Aquele Dentro
pra que converge o Fora das estrelas.
[Ali desponta a morte, que fora brilha nocturna.
E ali estão todos os que foram
unidos a todos os futuro
se bandos sobre bandos se bandeiam
como o Anjo quer.]
[III]
Com nossos olhares fechamos o círculo
em que a tensão confusa se funde em rubro branco.
Já o teu ignorante comando faz erguer
a coluna na mata do meu pudor.
Erigida por ti a estátua do deus
alça-se na encruzilhada sob as roupas;
todo o meu corpo tem o nome dele. Nós ambos
somos a região em que impera o seu encanto.
Mas ser bosque e céu em torno à herma
a ti pertence. Cede. Pra que o deus
livre entre os seus bandos saia
da coluna em deleite destroçada.
Munique, 17-27 de Outubro de 1915
[IV]
Desfalecida, não conheces as torres.
Mas vais descobrir agora uma
no portentoso espaço
dentro de ti. Cerra bem o olhar.
Foste tu que a ergueste
sem dares por tal, com olhar e aceno e requebro.
De súbito regurgita de perfeição,e eu, feliz de mim, posso habitá-la.
Ah, como me sinto apertado dentro dela!
Leva-me com teus afagos 'té à cúpula:
que eu possa arremessar nas tuas noites brandas
com o impulso de foguetes que deslumbram ventres
mais sentimento do que eu próprio sou.
Munique, entre 27 de Outubro e 1 de Novembro de 1915
[V]
Como o espaço vasto de mais nos rarefez!
Súbito voltam a si as opulências.
Ressuma agora pelo crivo silente dos beijos
o amargar do vermute e do absinto do ser.
Quanto não somos! Do meu corpo levanta
árvore nova a repleta coroa
e sobe para ti: porque - vê bem! - o que era ela
sem o Verão que no teu ventre paira?
És tu, sou eu, o que tanto deleitamos?
Quem o dirá, quando desfalecemos? Talvez
se erga no quarto uma coluna de êxtase
que suporta a abóbada e mais devagar decai.
[VI]
De quem estamos próximos? Da morte, ou daquilo
que inda não é? O que seria barro ao pé do barro,
se o deus sentindo não moldasse a figura
que entre nós ambos cresce? Compreende bem:
Isto é o meu corpo que quer ressuscitar.
Aiuda-o devagar da sepultura ardente
para aquele céu que em ti possuo:
que ousada saia dele a sobrevida.
Tu, lugar jovem da ascensão ao fundo!
Tu, ar escuro cheio de pólen do Verão!
Quando em ti raivam os seus mil espíritos,
o meu cadáver hirto de novo se enternece.
[VII]
Como eu te chamei! Eis os gritos mudos
que em mim dulcificaram.
Agora arrombo em ti degrau após degrau
e o meu sémen sobe alegre e infantil.
Ó montanha primeva do prazer: súbito salta
sem fôlego até à crista íntima de ti.
Oh entrega-te, para senti-lo aproximar-se;
porque tu vais ruir quando ele no alto acene.
Munique, entre 1 e 9 de Novembro de 1915
*
(Ao escrever-te, saltou seiva
na máscula flor
que à minha humanidade
é rica e misteriosa.
Sentes tu ao ler-me,
amada longe, quanta
doçura no feminino cálice
voluntária aflui?)
Ragaz, 22 de Julho de 1924
Rainer Maria Rilke, Poemas, As Elegias de Duíno e Sonetos a Orfeu, (Porto, Editorial O Oiro do Dia, 1983), pp.375-378 e 417.
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